domingo, 26 de dezembro de 2010

Manuel Alegre : «Quase um auto-retrato»

Manuel Alegre encanta-me...

"Aos vinte e poucos anos escrevi: “meu poema rimou com a minha vida”. Era ainda muito cedo, não sei sequer se é verdade, embora muitas coisas me tivessem já acontecido: amores, partidas, guerra, revoltas, "prisões baixas". O que mais tarde me levaria a dizer: "biografia a mais". Muito antes, lá pelos vinte, tinha lido uma frase de André Gide que me impressionou. Dizia ele: "a análise psicológica deixou de me interessar desde o dia em que cheguei à conclusão de que cada um é o que imagina que é." Até que ponto sou o que me imaginei ser? Se soubesse pintar (mas não sei) faria o meu auto-retrato a olhar para ontem, ou para dentro, ou para outro lado. Distraído-concentrado, presente-ausente, um não sei quê.

Acusam-me de altivez e narcisismo. É sobretudo reserva, timidez e uma incapacidade física de praticar uma certa forma portuguesa de hipocrisia e compadrio. Ou talvez um tique que herdei de família: levantar a cabeça, olhar a direito.

Tenho desde pequeno a obsessão da morte. Não o medo, mas a consciência aguda e permanente, sentida e vivida com todo o meu ser, de que tudo é transitório e efémero e não há outra eternidade senão a do momento que passa. Talvez por isso seja um homem de paixões. Mas não vivi nunca póstumo, nem me construí literariamente. Sei que nenhum verso vence a morte. E não acredito sequer na literatura.

Na poesia, sim. Mas como ritmo, como música interior, canto e encanto, incantação, exorcismo, uma forma de relação mágica com o mundo. A um professor brasileiro que trabalhava numa tese sobre mim, respondi: "Escrita e vida são inseparáveis. Embora eu entenda a poesia como experiência mágica, algo que está aquém e além da literatura."

Penso, como Teixeira de Pascoais, que "o ritmo é a substância das cousas" e que "a poesia nasceu da dança." Talvez por isso eu goste de flamenco, a música e a dança que estão mais perto do ritmo primordial, da batida do coração e da própria pulsação da terra. Gosto de flamenco e de um certo tipo de fado e dos tangos de Francisco Canaro. E também de Bach e Mozart. Pelas mesmas razões: o ritmo. E da poesia de Lorca que, ao contrário de ideias feitas, nada tem de folclórico ou regionalista, antes se aproxima das energias primitivas e essenciais e é quase, como diria ainda o autor de Marânus, "um bailado de palavras."

Não sei se, como queria Rimbaud, consegui fazer "coincidir a essência da poesia com a existência do poema." Cantei, canto. Demanda, errância. Não há senão esse procurar. Na vida, na escrita. Quando faço aquilo de que gosto, faço-o intensamente. A pesca, por exemplo. Ou a viagem. Ou a partilha: um bom jantar em família com alguns amigos, uma reunião conspirativa, a camaradagem na nunca perdida ilusão de que a revolução ainda é necessária e possível.

Diria que é outra forma de escrita. Intensa, densa, tensa. Como o amor. E talvez a morte.

Herdei de minha mãe uma certa energia, o gosto da intervenção. De meu pai, o desprendimento, uma irresistível e por vezes perigosa tendência para o desinteresse. Inclusivamente pelos bens materiais. Não é por acaso que só me prendo realmente ao que poderia chamar as minhas armas: espingardas propriamente ditas, "gostei muito de caçar", canas de pesca, carretos, canetas, livros (alguns livros), discos. Os grandes espaços: o deserto, o Atlântico, o Alentejo. E sítios. Certas cidades. Outrora agora: Coimbra, Paris, Roma, Veneza, Lisboa. Certos lugares: o Largo do Botaréu, em Águeda, o rio, a ria (de Aveiro), Barra, Costa Nova. Mais recentemente: Foz do Arelho, Barragem de Santa Clara. Certos recantos: a minha casa de Águeda, o solar, já perdido, da minha avó, em S. Pedro do Sul, as casas da minha tia e meus primos na Anadia, a casa de Sophia, a minha casa em Lisboa. A minha mulher, os meus filhos, a minha irmã, os meus amigos. Uma grande saudade dos que morreram, principalmente de meu pai, a quem, por pudor e reserva (somos parecidos), nunca cheguei a dizer em vida o que gostaria de lhe dizer aqui."

- MANUEL ALEGRE, "Quase um auto-retrato"

domingo, 12 de dezembro de 2010

"Arte Poética"

Fazer do teu verso
um arco tenso
e das palavras
flechas.

- PEDRO MEXIA (n. 1972), Avalanche, 2001.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A clonalidade no amor

Às vezes tropeço nesta ideia de que a rapidez é inimiga do amor. Não sei se sim. Tudo o que tenho corresponde ao que eu mais queria e a tudo o que me faltava. O que não tive, quiçá. Porque está tudo de acordo e os contras não têm o tamanho dos prós. Não há força que elimine um laço simétrico, e peço desculpa ao laço porque a palavra «simétrico» rouba-lhe toda a graciosidade e dá a ideia errada de um sentimento que se pode medir. Mas então ouçam-me: não podem tirar as medidas a esta propriedade metafísica que nos pertence. Até podem tentar, mas não vão descobrir todos os pontos de contacto que se construiram. São demais. Como propriedade, têm a clonadidade a reinar. Os nossos pontos de contacto clonam-se, clonam-se, clonam-se. Estão a clonar-se, clonaram-se milhões de vezes em qualquer segundo de atenção que vos ficou por aqui. É perceptível o que estou a dizer? Ou é algo demasiado intenso para que vos consiga explicar?

domingo, 5 de dezembro de 2010

Conta-Corrente

Obrigada Virgílio. De repente, já não me sinto tão estranha por equacionar tudo o que existe à nossa volta!

"Não, não é bem o vazio: é a mineralização do mais dúctil e fugidio em nós. É a incapacidade de olhar uma flor ou o espaço azul e comover-me. Todo o mundo vibra de uma forma intensa de milagre e é difícil centrarmo-nos onde o milagre acontece. Uma flor. A vida intrínseca e vertiginosa do que nela se realiza na sua cor original, na sua forma incrível, no perfume com que respira. Então, quando o vejo, comovo-me até às lágrimas. Mas é preciso desbastar uma camada grossa de urgências, de hábitos mecânicos, de naturalidade. E a vida não é natural. Nós habituamo-nos a tudo, como se tudo tivesse evidentemente de ser assim. Um homem junta-se a uma mulher e nasce um filho. Há centenas de milhares de anos que isto acontece. E nunca ninguém se mostrou intrigado. Intrigam-se é com as heranças e as infidelidades e coisas assim. Não com o facto fantástico de nascer uma criança. De longe em longe lá aparece um tipo a mostrar-se espantado por haver gente e bichos e estrelas. O menos que se lhe chama é reaccionário e tarado. A ordem da vida é a normalidade. Tudo o que for além disso é que é estranho. Mas o que vai além disso é uma ridicularia. O fantástico está antes."

- VIRGÍLIO FERREIRA, "Conta-Corrente II" (1977-1979)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Patrícia Tadeia, entrevista a Manuel Correia em 60 segundos

Manuel Correia, presidente do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD)

Como tem visto o trabalho da Catarina como Embaixadora de Boa Vontade?
A qualidade do seu trabalho e o apoio à volta da saúde materno-infantil e bem-estar das parturientes é contagiante. Aliás, sem o trabalho dela, não estaria a falar consigo. É a oportunidade de recebermos a atenção dos media por uma coisa muito boa, em vez de, como quase sempre, pelas menos boas.

Portugal tem cumprido o seu compromisso no alcance dos ODM?
Segundo a OCDE, o nosso esforço qualitativo é muito positivo, já o quantitativo, tem nota quase negativa. A crise financeira veio afectar esta situação.

O que é que cada pessoa pode fazer para ajudar?
Os portugueses são muito de impulsos, capazes de tirar a camisola para dar ao próximo. São mais de instintos, não de fazer algo ordenado. Há muitos esforços, muito bem intencionados: juntar livros, material escolar, medicação. Só que por não ser um processo ordenado, perdem-se. O que aconselho é: quem quiser ajudar, contacte o IPAD, e faremos com que a ajuda chegue a quem realmente precisa.


- PATRÍCIA TADEIA, "60 segundos", in Jornal Metro 25/11/2010

Patrícia Tadeia, "Objectivo: chegar a um mundo melhor"

"Em Setembro de 2000, chefes de Estado e de Governo de 189 países, incluindo Portugal, reuniram-se nas Nações Unidas. Ali assinaram a Declaração do Milénio, comprometendo-se a lutar contra a pobreza e a fome, a mortalidade materno-infantil, a desigualdade de género, a degradação ambiental e o vírus da sida.
Sentados à mesma mesa, assumiram ainda o compromisso de melhorar o acesso à educação, a cuidados de saúde sexual, reprodutiva e materno-infantil e a água potável. Para avaliar o cumprimento daquele compromisso, estabeleceram- se oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), a alcançar até 2015 (ver caixa). Portugal está envolvido no cumprimento destas metas. Enquanto país mais pequeno, luta com as dificuldades económicas para investir nas ajudas. Ainda assim, serve de exemplo em matérias como a diminuição da mortalidade materno materno-infantil no próprio País. Pelo esforço que dedica, pelo voluntariado, pela capacidade de ajudar o próximo e sobretudo também pelo conhecimento e experiência técnico-científica e o domínio da língua comum. Diz-se que somos um país solidário. Valemos pela vontade, e tal como a fé, diz-se que move montanhas. Acreditamos que sim."

- PATRÍCIA TADEIA, "Objectivo: chegar a um mundo melhor", in Jornal Metro 25/11/2010

domingo, 28 de novembro de 2010

Que mais poderia querer?

Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro.
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito,
Cerro olhos: é bastante.
Que mais quero?

— FERNANDO PESSOA

sábado, 27 de novembro de 2010

Catarina Furtado, "Violência Sobre As Mulheres"

Devo confessar que andava curiosíssima para ler esta edição do Jornal Metro e ontem, quando passava os olhos por estas e outras palavras que nele estão manchadas de dor e sede de mudança, doeu-me a consciência. Há tanto por fazer, tanto onde se pode ajudar, tantas mulheres e crianças à espera que lhes digam que sim, que têm o direito de falar, de escolher, de denunciar. Por isso mesmo, comprometi-me a colocar aqui todos os textos que foram publicados naquela edição acerca do tema, em jeito de alertar os que conseguir para o problema. Este, o primeiro, é escrito por uma mulher cujo trabalho é verdadeiramente notório. Falo de Catarina Furtado, a Embaixadora De Boa Vontade Do Fundo Das Nações Unidas Para A População. São as palavras dela as que dão o mote para o que se seguirá nos próximos dias. Espero profundamente que não se sintam indiferentes porque esta realidade é da responsabilidade de todos nós.

"Hoje, como ontem e como amanhã, falo em nome de vidas que não passam de números inscritos em relatórios e estatísticas. Sou hoje, como ontem e, infelizmente amanhã, a cara sem disfarce e a voz não distorcida de muitos testemunhos inaceitavelmente indignos. Só que hoje, Dia Internacional para o Fim da Violência sobre as Mulheres, a esses testemunhos é concebido um espaço privilegiado nas primeiras páginas dos jornais. Sabemos que a violência e a discriminação exercidas sobre mulheres de todas as idades, de diferentes países, religiões e condições económicas, continuam a ser crimes silenciados e tolerados ao ponto de protelarem e até travarem decisões legislativas, programas específicos de prevenção, de apoio às vítimas e dirigidos aos agressores. São adiadas, de forma incompreensível, campanhas de denúncia, projectos de promoção da cidadania, planos nacionais e compromissos mundiais. Só cumprindo o que tem sido prometido, é possível alcançar medidas de protecção social eficazes, igualdade de género, antidiscriminação e não violência. A exploração e o abuso sexual, a violência doméstica, a mutilação genital feminina, o tráfico de seres humanos e os casamentos forçados são talvez as formas mais comuns e identificadas de violência sobre as mulheres.Mas isso não quer dizer que estejam, como deveriam, na ordem do dia das preocupações de todos nós. E se estas, que são as mais reconhecidas, não têm lugar garantido na nossa atenção diária, muito menos o terão as múltiplas formas disfarçadas de discriminação de género: a disparidade no acesso à escola entre rapazes e raparigas, as dificuldades na manutenção das meninas no sistema de ensino, a ausência de programas e cuidados de saúde sexual e reprodutiva sustentáveis, previsíveis e financiados, os entraves económicos para abastecer os serviços de saúde de medicamentos e equipamentos essenciais à saúde materna e infantil; o escasso apoio a organizações não governamentais de mulheres, as taxas elevadas de gravidez adolescente e a feminização do VIH/Sida. Por isso, e porque tenho a oportunidade de constatar no terreno a prática desta injusta realidade, o que penso ser absolutamente determinante para formar uma opinião, tomo o papel de Embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População como uma prioridade na minha vida. O desafio para assumir a condição de Directora por um Dia do jornal Metro, quero aproveitá-lo como mais uma oportunidade para dar voz a todas as mulheres a quem as nódoas negras tendem, de forma dolorosa, a atingir a dignidade. Quem nos lê no dia de hoje tem também o ensejo de se envolver, agindo e exercendo a sua responsabilidade cívica, num tempo que passa bem mais rápido e mais distraído do que desejaríamos, mas ainda assim, a um ritmo que podemos, se quisermos, acompanhar. O nosso empenho, que é nossa obrigação, irá a tempo de salvar muitas meninas, raparigas e mulheres. Seria bom que este editorial se transformasse numa conversa. Gostaria de vos dar a conhecer tantas e tantas mulheres portuguesas, guineenses, moçambicanas, cabo-verdianas, são-tomenses, timorenses. Elas justificam todos os editoriais e que são a verdadeira razão para que estas palavras não sejam entendidas como um discurso de circunstância ou de oportunidade com carácter político. Quando ouço, vejo e toco estas jovens emulheres, o coração transforma-se em razão e as obras e projectos que colocam em primeiro lugar os Direitos Humanos, a saúde materna e infantil e o planeamento familiar, são para mim e para todos os técnicos que trabalham na área da cooperação, a bandeira a adoptar. E quando isso acontece, muitos têm sido os resultados obtidos. Já se sabe como evitar, e tantas vezes travar, sofrimentos baseados no género, não faz por isso sentido que as melhores práticas não sejam levadas a cada canto do mundo. Não é possível esperar um futuro mais saudável e sustentável se não se investir namulher, na sua voz, no seu trabalho, na sua capacidade de andar com o mundo às costas. A prevenção tem custos mas que são, afinal, o verdadeiro investimento na vida humana e no futuro de todos os países. Ninguém pode ser considerado dispensável. Em Moçambique, a Gilda, de 17 anos, confessou-me, após ter entrado para um programa de jovens voluntários cujo objectivo é a sensibilização para as questões do HIV/Sida, “Eu não sabia que podia falar, ter uma opinião, manifestá-la e lutar por ela. Pensava que eram só os rapazes. Agora sinto-me mais segura.” Em São Tomé, a Nela, de 20 anos, guardou para si, durante um tempo insustentável, a noite emque foi violada por um polícia e que, por ser rapariga e ter engravidado, foi expulsa de casa pelos próprios pais. Em Cabo Verde, a Janine, de 30 anos, contou-me que já não tinha sequer forças para acreditar que um dia poderia viver sem que o marido, alcoólico, a atirasse contra a parede. Na Guiné, a Mariana, de 17 anos, queria tanto estudar para ser professora mas o casamento forçado, com um homem de 60 anos e as três gravidezes (apenas um filho vivo), já lhe roubaram o seu sonho. “Para sempre”, disse-me ela. Em Portugal, a Amália, de 30 anos, esconde-se numa casa de abrigo, com a filha de quatro debaixo da saia. Disfarça o coração acelerado e esconde um sorriso sem dentes que a impede de arranjar trabalho. Na cara, a violência doméstica torna pública a sua vida íntima. Podia continuar com muitas mais histórias que não quero nunca que fiquem só para mim e para as pessoas da Associação para o Planeamento da Família e do UNFPA que me vão transmitindo tantos conhecimentos. Mas, por agora, deixo à vossa atenção as notícias que se seguem, fruto do trabalho de uma pequena grande equipa do Metro que ao fazer-me este desafio, aceitou também o meu. E com toda a garra de que as lutas pelas grandes causas necessitam. Obrigada pela vossa convicção e pelo precioso contributo enquanto meio de comunicação social. E que amanhã seja também Dia Internacional para o Fim da violência sobre as Mulheres. Assim o queiram."

- CATARINA FURTADO, Crónica "Violência Sobre As Mulheres", Jornal Metro 25/11/2010

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Friday I'm in looove



...
I don't care if monday's blue
Tuesday's gray and wednesday too
Thursday I don't care about you
It's friday I'm in love
...

Friday I'm In Love
,
THE CURE

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Unexpected? I'm in!

"We all think we’re going to be great and we feel a little bit robbed when our expectations aren’t met. But sometimes ours expectations sell us short. Sometimes the expected simply pales in comparison to the unexpected. You got to wonder why we cling to our expectations, because the expected is just what keep us steady. Standing. Still, the expected’s just the beginning, the unexpected is what changes our lives."

(quote from Grey's Anatomy)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Descoberta Científica

Olha, afinal não existem ímanes! Fiquei sensivelmente tocada, afinal contribuímos para o avanço da ciência!
Meu amor, alegra-te pois somos conhecimento!

«Contidamente, continuamos.»

"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada “impulso vital”. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como “estou contente outra vez”. Ou simplesmente “continuo”, porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como “sempre” ou “nunca”. Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como “não resistirei” por outras mais mansas, como “sei que vai passar”. Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de “uma ausência”. E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.
Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
- … mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca …"

- CAIO FERNANDO ABREU

Se não me perco, encontro-me!

Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia – a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la –, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me mesmo seja de novo a mentira que vivo.

— CLARICE LISPECTOR


GREG LASWELL - What A Day



What a day to be alive
What a day to realize I'm not dead
What a day to save a dime
What a day to die trying

What a way to say good bye
What a wonderful life now
What a way to use your mind
What a day to say good night

"Bring on the evening hours," I cry
"Bring on the evidence of my life"
(My life)

What a day to give a damn
What a day for "Gone with the Wind"
And what a day to start again
What a day to give up dry gin

"Bring on the evening hours," I cry
"Bring on the evidence of my life"
"Bring on the evening hours," I cry
"Bring on the evidence of my life"

Let it go
Let it go from here, I don't know
Let it go
Let it go from here, I don't know
Don't know

What a day to visit Seattle
What a day for San Francisco
What a day, holy Toldeo
What a day to get in the air and go
What a day to give up smoking
What a day to absorb
What a day to welcome a baby
And to begin breathing
(To begin breathing)

sábado, 13 de novembro de 2010

No stars in the sky, the night seems so dark around you.
You won't say a word, and wonder why no one's found you,
Waiting for love, praying for love again........
Love's a heavy weight, give it to me don't hesitate.
Love's a heavy thing, too heavy for one heart to bring me your love.
Give me your love again, it's not your fault.
One heart can never win it takes
Two hearts, two hearts just to hold love.
Two hearts, two hearts just to hold your love.
Your love.
And if your heart should ache,
Remember me.
And if your heart should break.
Two hearts, two hearts they can mend it.
Heartache, heartaches can be ended by love, by love.
Love's a heavy weight, give to me don't hesitate.
Love's a heavy thing, too heavy for one heart to bring me your love.
Give me your love again, It's not too late.
One heart can never win, it takes two hearts.
Two hearts, two hearts just to hold love
Two hearts, two hearts just to hold your love
Your love.

Two Hearts,
CHRIS ISAAK

Is it fair?

I'm telling you it's not.


THE BEATLES - You've Got To Hide Your Love Away

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Vamos fingir ou fazer de conta?

Vamos fingir que sabes o significado das palavras que me disseste. Vamos fingir que te importas. Vamos fingir que me queres. Vamos fazer de conta que não a queres. Vamos fingir que consegues tomar uma decisão. Vamos fingir que tomas uma decisão daqui a dois dias. Vamos fingir que és feliz. Vamos fingir que eu sou feliz. Vamos fingir que és feliz sem ela. Vamos fingir que és infeliz sem mim.

Vamos ser realistas de uma vez por todas.
A Deolinda sabe sempre do que fala! E tenho dito.


DEOLINDA - Um Contra O Outro


Anda, desliga o cabo,
que liga a vida, a esse jogo,
joga comigo, um jogo novo,
com duas vidas, um contra o outro.

Já não basta,
esta luta contra o tempo,
este tempo que perdemos,
a tentar vencer alguém.

Ao fim ao cabo,
o que é dado como um ganho,
vai-se a ver desperdiçamos,
sem nada dar a ninguém.

Anda, faz uma pausa,
encosta o carro,
sai da corrida,
larga essa guerra,
que a tua meta,
está deste lado,
da tua vida.

Muda de nível,
sai do estado invisível,
põe o modo compatível,
com a minha condição,
que a tua vida,
é real e repetida,
dá-te mais que o impossível,
se me deres a tua mão.

Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.

Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.

Anda, mostra o que vales,
tu nesse jogo,
vales tão pouco,
troca de vício,
por outro novo,
que o desafio,
é corpo a corpo.

Escolhe a arma,
a estratégia que não falhe,
o lado forte da batalha,
põe no máximo o poder.

Dou-te a vantagem, tu com tudo, eu sem nada,
que mesmo assim, desarmada, vou-te ensinar a perder.

Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Círculos sem firmeza

Sobre quantas voltas constróis a tua vida? Finge-te foragido e vais perdendo a corrida...

terça-feira, 9 de novembro de 2010


DEOLINDA - Lisboa Não É A Cidade Perfeita


‘Inda bem que o tempo passou
e o amor que acabou não saiu.
‘Inda bem que há um fado qualquer
que diz tudo o que a vida não diz.
Ainda bem que Lisboa não é
a cidade perfeita p’ra nós.
Ainda bem que há um beco qualquer
que dá eco a quem nunca tem voz.
‘Inda agora vi a louca sozinha a cantar,
do alto daquela janela.
Há noites em que a saudade me deixa a pensar:
Um dia juntar-me a ela.
Um dia cantar…
como ela.

‘Inda bem que eu nunca fui capaz
de encontrar a viela a seguir.
‘Inda bem que o Tejo é lilás
e os peixes não param de rir.
Ainda bem que o teu corpo não quer
embarcar na tormenta do réu.
Ainda bem se o destino quiser
esta trágica historia, sou eu.
‘Inda agora vi a louca sozinha a cantar,
do alto daquela janela.
Há noites em que a saudade me deixa a pensar:
Um dia juntar-me a ela.
Um dia cantar…
como ela.

domingo, 7 de novembro de 2010

Sim, monólogo

"Romeu, o teu nome é um pacto e um relógio.
Entrego-te o meu nome e permaneço imune
ao mundo, à mentira e à passagem dos anos.

Romeu adolescente, perdido e camuflado
nas minhas ilusões. Lírico Romeu, que volto
a baptizar, agora com sangue em vez de água.

Coincidimos à frente e atrás de uma pistola
carregada. Romeu, o teu nome chama-me
pela voz com que a morte chama o amor.

Somos derrotados por um outono defeituoso,
como por um poema errado ou pelo mar. Ali,
pouco longe, um túmulo precisa do nosso calor."

- JOSÉ LUÍS PEIXOTO, "Monólogo"

Parabéns Mãe!

A Mãe fez anos ontem e esta era para ela, por todo o amor que lhe tenho.
Parabéns Mãe!


SPICE GIRLS - Mama

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

You're missing me

He's got a whole lotta reasons
He can't think of a single one that could justify leavin'
She got none but she think she got so many problems
And she got too much time to waste
His dreams are like commercials
But her dreams are picture perfect and
Dreams are so related though they're often under estimated
la da da...
Simple is something that nobody knows
her eyes are as big as her bubbly toes
On the feet of a queen in the hearts of the garden
Feet are infested with tarballs
la da da...
If you would only listen
You might just realize what you're missin'
You're missin' me

You're Missing Me
,
JACK JOHNSON

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Enquanto afastados, desnorteados.

De um parapeito da janela solta-se a vontade de te ter a mim atrelado. O vento partilha comigo o desejo de voar para longe daqui, mas voasse eu como ele e teria a força necessária para te fazer vir ao meu lado.
Nunca produzi correntes de atracção como ele de ar. Se o vento quiser, leva tudo pela frente. Eu não te consigo levar a ti.
Colaste-te à terra, um patamar seguro de onde não te vês cair. E no entanto, contigo no chão, comigo à janela funcionamos como um íman. Eu sou um polo, tu o outro. Formamos um dipolo que pela natureza que lhe é intrínseca, não pode ser separado. (ou pode?)
Porque se nos dividem na vida nascem dois ímanes menores cujos polos se recriam. O tamanho diminui mas a intensidade não esmorece. O polo sul continua sempre atraído pelo norte uma e outra vez, continuamente, eternamente. A hipótese da inseparabilidade dos polos nunca foi corroborada. Seremos nós os primeiros a faze-lo?
E se esses polos magnéticos de dois ímanes se aproximarem, as forças magnéticas interagem entre si de forma singular. E para nos repelirmos teríamos que ser iguais. Mas não somos! Tu estás aí em baixo e eu aqui à janela! Invertemos os lugares e as linhas de força escasseiam agora no teu espaço. São linhas invisíveis, fortes do meu lado e fracas do teu. Mas mais uma vez: são as forças opostas as que se atraem. E se podemos armar um equilíbrio e apanhar o seu balanço, para quê recuar?
Se a origem do magnetismo reside no berço da nossa organização atómica, para quê elevarmos a nossa escolha aos mais altos planos da racionalidade?
Se a atracção é espontânea, para quê impor a distância?
Enquanto afastados, desnorteados.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

De mim para os outros, o invisionável.

"O desgosto de não encontrar nada encontrei comigo pouco a pouco. Não achei razão nem lógica senão a um cepticismo que nem sequer buscava uma lógica para se defender. Em curar-me disto não pensei - por que me havia eu de curar disso? E o que era ser são? Que certeza tinha eu que esse estado de alma deva pertencer à doença? Quem nos afirma que, a ser doença, a doença não era mais desejável, ou mais lógica, ou mais, do que a saúde? A ser a saúde preferível, porque era eu doente se não por naturalmente o ser, e se naturalmente o era, por que ir contra a Natureza, que para algum fim, se fim ela tem, me quereria decerto doente?
Nunca encontrei argumentos senão para a inércia. Dia a dia mais e mais se infiltrou em mim a consciência sombria da minha inércia de abdicador. Procurar modos de inércia, apostar-me a fugir a todo o esforço quanto a mim, a toda a responsabilidade social - talhei nessa matéria de a estátua pensada da minha existência.
Deixei leituras, abandonei casuais caprichos de este ou aquele modo estético da vida. Do pouco que lia aprendi a extrair só elementos para o sonho. Do pouco que presenciava, apliquei-me a tirar apenas o que se podia, em reflexo distante e errado, prolongar mais dentro de mim.
Esforcei-me porque todos os meus pensamentos, todos os capítulos quotidianos da minha experiência me fornecessem apenas sensações. Criei à minha vida uma orientação estética. E orientei essa estética para puramente individual. Fi-la minha apenas.
Apliquei-me depois, no decurso procurado do meu hedonismo interior, a furtar-me às sensibilidades sociais. Lentamente me couracei contra o sentimento do ridículo. Ensinei-me a ser insensível quer para os apelos dos instintos quer para as solicitações.
Reduzi ao mínimo o meu contacto com os outros. Fiz o que pude para perder toda a afeição à vida. Do próprio desejo da glória lentamente me despi, como quem cheio de cansaço se despe para repousar.
Do estudo da metafísica, das ciências, passei a ocupações de espírito mais violentas para o equilíbrio dos meus nervos. Gastei apavoradas noites debruçado sobre volumes de místicos e de cabalistas, que nunca tinha paciência para ler de todo, de outra maneira que não intermitentemente, trémulo e . Os ritos e as razões dos Rosa-Cruz, a simbólica da Cabala e dos Templários, - sofri durante tempos a opressão de tudo isso. E encheram a febre dos meus dias especulações venenosas, da razão demoníaca da metafísica - a magia, a alquimia - extraindo um falso estímulo vital de sensação dolorosa e presciente de estar como que sempre à beira de saber um mistério supremo. Perdi-me pelos sistemas secundários, excitados, da metafísica, sistemas cheios de analogias perturbantes, de alçapões para a lucidez, grandes paisagens misteriosas onde reflexos de sobrenatural acordam mistérios nos contornos.
Envelheci pelas sensações… Gastei-me gerando os pensamentos… E a minha vida passou a ser uma febre metafísica, sempre descobrindo sentidos ocultos nas coisas, brincando com o fogo das analogias misteriosas, procrastinando a lucidez integral, a síntese normal para se denegrir.
Caí numa complexa indisciplina cerebral, cheia de indiferenças. Onde me refugiei? Tenho a impressão de que não me refugiei em parte nenhuma.
Abandonei-me, mas não sei a quê.
Concentrei e limitei os meus desejos, para os poder requintar melhor.
Para se chegar ao infinito, e julgo que se pode lá chegar, é preciso termos um porto, um só, firme, e partir dali para Indefinido.
Hoje sou ascético na minha religião de mim. Uma chávena de café, um cigarro e os meus sonhos substituem bem o universo e as suas estrelas, o trabalho, o amor, até a beleza e a glória. Não tenho quase necessidade de estímulos. Ópio tenho-o eu na alma.
Que sonhos tenho? Não sei. Forcei-me por chegar a um ponto onde nem saiba já em que penso, com que sonho, o que visiono. Parece-me que sonho cada vez de mais longe, que cada vez mais sonho o vago, o impreciso, o invisionável.
Não faço teorias a respeito da vida. Se ela é boa ou má não sei, não penso. Para meus olhos é dura e triste, com sonhos deliciosos de permeio. Que me importa o que ela é para os outros!
A vida dos outros só me serve para eu lhes viver, a cada um a vida que me parece que lhes convém no meu sonho."

- BERNARDO SOARES, in "Livro do Desassossego"
...
What if this storm ends?
And leaves us nothing
Except a memory
A distant echo
...

The Lightning Strike,
SNOW PATROL

domingo, 31 de outubro de 2010

(...)
Come on get love,
Come on and try,
Come on now what are you waiting for?

Be There
,
HOWIE DAY

GUNS N' ROSES - Patience

One, two, one, two, three, four

Shed a tear 'cause I'm missing you
I'm still alright to smile
Girl, I think about you every day now
Was a time when I wasn't sure
But you set my mind at easy
There is no doubt you're in my heart now

Said, woman, take it slow
And it'll work itself out fine
All we need is just a little patience
Said, sugar, make it slow
And we'll come together fine
All we need is just a little patience (Patience)

I sit here on the stairs
'Cause I'd rather be alone
If I can't have you right now I'll wait, dear
Sometimes I get so tense
But I can't speed up the time
But you know, love, there's one more thing to consider

Said, woman, take it slow
And things will be just fine
You and I'll just use a little patience
Said, sugar, take the time
'Cause the lights are shining bright
You and I've got what it takes to make it

We won't fake it
Oh, I'll never break it
'Cause I can't take it

Little patience, yeah
Need a little patience, yeah
Just a little patience, yeah
Some more patience, yeah

I've been walking the streets at night
Just trying to get it right (Need some patience, yeah)
It's hard to see with so many around
You know, I don't like being stuck in the crowd (Could use some patience, yeah)

And the streets don't change but, baby, the names
I ain't got time for the game (Gotta have some patience, yeah)
'Cause I need you, yeah
Yeah, but I need you (All it takes is patience, yeah)

Oh, I need you (Just a little patience)
Oh, I need you (Is all you need)
Oh, this time

sábado, 30 de outubro de 2010

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Encontros e desencontros

Ainda que tenhas baixado o remo e me tenhas deixado no nosso barco à deriva, continuo à espera que a tua voz regresse a acompanhar a ondulação que te trará até mim. Neste barco, o do passado, presente mas nunca o do futuro, não posso deixar de te avistar, mesmo que não estejas por perto. Porque sinto a tua vontade, o que resta de mim em ti.
Os homens que se disseram vir para me salvar tinham jeito de piratas. Queriam antes assaltar o amor que ainda tenho, roubar-me aquilo em que ainda acredito. Eles poderiam até oferecer-me a mais bonita dança sob as estrelas ou encontrar o pôr-do-sol mais quente dos trópicos, mas não saberiam que quando deixasse cair a cabeça contra o ombro deles, estaria a pedir que me dessem a mão. Não há quem entenda aquilo de que somos feitos. Não nos conhecem a lógica nem a dor. Os outros não nos vêem como os guerreiros da nossa causa para eles perdida. Perdida no tempo, no espaço. E por muito pouco, nem tu vês.
Porque é que não me vieste buscar?
Com as luzes a acenderem-se sob o pano de fundo que é a noite, emergimos nós e os nossos desejos podres de tristeza. E o vazio prossegue a sua caminhada dentro de cada um de nós. Quando é que me tornei diferente dos demais embriagados de amor? Vejo-os cair noutras vontades, a perderem-se no caminho da esperança e deixarem-se ser encontrados. E eu? Nada. Ninguém parece saber onde quero chegar com cada palavra, onde quero e não quero ir. Só tu. Para sempre tu.
E com a maior das ironias dirijo-me a ti: mas para quê retornares quando já sabes que teríamos um barco feliz? Porque não partir numa busca pelo que desconheces?
Embalada no maior dos amores, cega, pergunto-me se não farás essa busca para que voltes indefinidamente até ao local onde nos deixaste. Vais regressando uma e outra vez, esses diferentes regressos camuflados pelo teu querer. Diz-me: será porque admiras a forma como a tristeza se transforma nos nossos encontros e desencontros?




DAVID FONSECA - U Know Who I Am

terça-feira, 26 de outubro de 2010


COLDPLAY - See You Soon

So you lost your trust,
And you never should have, you never should have,
But don't break your back,
If you ever see this,
Don't answer that.

In a bullet proof vest,
With the windows all closed,
I'll be doing my best,
I'll see you soon,
In a telescope lens,
And when all you want is friends,
I'll see you soon.

So they came for you,
They came snapping at your heels,
They come snapping at you heels,
But don't break your back,
If you ever see this,
Don't answer that.

In a bullet proof vest,
With the windows all closed,
I'll be doing my best,
I'll see you soon,
In a telescope lens,
And when all you want is friends,
I'll see you soon,
I'll see you soon.

And oh you lost your trust,
And oh you lost your trust,
And oh don't lose your trust,
And oh you lost your trust.

domingo, 24 de outubro de 2010

I want to live where soul meets body
And let the sun wrap its arms around me
And bathe my skin in water cool and cleansing
And feel, feel what it's like to be new
Cause in my head there's a Greyhound station
Where I send my thoughts to far-off destinations
So they may have a chance of finding a place where they're far more suited than here

And I cannot guess what we'll discover
When we turn the dirt with our palms cupped like shovels
But I know our filthy hands can wash one another's
And not one speck will remain

And I do believe it's true that there are roads left in both of our shoes
But if the silence takes you then I hope it takes me too
So Brown Eyes I'll hold you near cause you're the only song I want to hear
A melody softly soaring through my atmosphere

Where soul meets body
Where soul meets body
Where soul meets body

And I do believe it's true
That there are roads left in both of our shoes
If the silence takes you then I hope it takes me too
So Brown Eyes I'll hold you near cause you're the only song I want to hear
A melody softly soaring through my atmosphere
A melody softly soaring through my atmosphere
A melody softly soaring through my atmosphere
A melody softly soaring through my atmosphere

Soul Meets Body
,
DEATH CAB FOR CUTIE

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Marilyn Monroe

À medida que leio o livro tenho cada vez mais medo de uma vida como a dela. Porquê? Pela ância que Marilyn tinha por não viver.
Deixo aqui algumas palavras que hoje me agradaram:

"Não me ouça: olhe para mim. As palavras não significam nada. Olhe-me nos olhos. Os olhos são a melhor forma de se aproximar. As palavras são ar. Em compensação, cada olhar é um largo braço de água. Uma corrente de água que nos liga uns aos outros. Como uma via fluvial aberta à navegação entre aqueles que se olham, como o canal do Suez (...). Olhando-se nos olhos é o mais perto que duas pessoas podem estar (...)."

- RAFAEL REIG
, in "Autobiografia de Marilyn Monroe"

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Was it loneliness that brought you here
Broken and weak
Was it tiredness that made you sleep
Have you lost your will to speak
Was the earth spinning round
Were you falling through the ground
As the world came tumbling down
You prayed to God what have we done

Free me from these chains I need to change my way
Heal these broken wings I need to fly far away, far away, far away

Was it emptiness that made you weep
No more secrets to keep
Was it bitterness that gave you time
To forgive your sins
Was the earth spinning round
Were you falling through the ground
As the world came tumbling down
You prayed to God what have we done

Free me from these chains I need to change my way
Heal these broken wings I need to fly far away
Free me from these thoughts long forgotten down below
Take these angel’s words give them life to carry on, carry on, carry on
Free me from these chains…

Spinning
,
ZERO 7

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Será isto cruel?

Se me vão deixar aqui sozinha, então temo os dias das noites que vou passar em claro. Vou fazer festas tendo-me a mim como convidada. Vou brindar à solidão e mesmo assim vou continuar presa às mesmas coisas a que sempre estive!
Será isto cruel? Está bem patente a minha maior feição, a de eterna saudosista...

Feelings

A questão é: eles deviam ir para o sítio, mas nunca foram...

domingo, 17 de outubro de 2010

«Não me basto»

É preciso que você venha nesse exato momento. Abandone os antes. Chame do que quiser. Mas venha. Quero dividir meus erros, loucuras, beijos, chocolates… Não nego. Tenho um grande medo de ser sozinho. Não sou pedaço. Mas não me basto.

— CAIO FERNANDO ABREU

sábado, 16 de outubro de 2010

«After the Storm»

...
And there will come a time, you’ll see, with no more tears.
And love will not break your heart, but dismiss your fears.
Get over your hill and see what you find there,
With grace in your heart and flowers in your hair.
...

After the Storm,
MUMFORD AND SONS

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

«Sou eu»

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobresselente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro eléctrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ia sentar em cima.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Proserpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
Sou eu mesmo, que remédio!…

- ÁLVARO DE CAMPOS

«O primeiro dia»

"O que o acordou foi o silêncio. Primeiro, o do despertador que não tocou à hora combinada todas as manhãs. Depois, o de outra respiração, que devia ouvir e não ouvia. Estendeu a mão para o quente do outro lado da cama e encontrou o frio. Apalpou e encontrou vazio. Então, sim, despertou completamente.

Um prenúncio de tragédia desceu por ele abaixo, como um arrepio. O que acabara de se lembrar era que não acordara só por acaso ou por acidente: aquele era o primeiro dia, a primeira manhã da sua separação — o primeiro de quantos dias? — em que acordaria sempre sozinho, com metade da cama fria, metade do ar por respirar.

Era Abril, sábado e chovia. Sentado na cama, lembrou-se das instruções que dera a si mesmo para aquela manhã: fazer peito forte à desgraça. Nada é inteiramente bom, mas nada é inteiramente mau - pensou. Posso ler à noite até me apetecer sem me mandarem apagar a luz, posso dormir atravessado na cama, posso-me livrar daquele rol de cobertores com o qual ela me esmagava, fizesse sol, chuva ou frio, porque as mulheres são mais friorentas que eu sei lá, posso usar a casa-de-banho todo o tempo que quiser, posso espalhar as roupas, os jornais e os papéis pelo quarto à vontade e até - oh, suprema liberdade — posso fumar à noite na cama.

Levantou-se para se olhar ao espelho da casa-de-banho. Sorriu à sua própria imagem, ensaiou-a calma, tranquila, confiante. Imaginou mentalmente o texto que poderia redigir sobre si mesmo para a secção de anúncios pessoais do jornal: “Divorciado, 40 anos, bom aspecto, licenciado, rendimento médio-alto, casa própria e espaçosa, desportos, ar livre, terno e com sentido de humor”. Mulheres compatíveis? Deus do céu, dezenas delas! Sou um partidão — concluiu para o espelho.

Calmo, tranquilo e confiante, passou aos outros aposentos da casa para dar uma vista de olhos ao resultado da partilha dos móveis, aliás feita sem grandes problemas, como é próprio de gente civilizada. Por alto, entre o living, o hall, o escritório, a cozinha, o quarto de casal e as duas casas-de-banho, estimou nuns setecentos contos o preço da reposição das coisas em falta. Mais metade dos livros e dos CD's, quase todas as fotografias dos últimos dez anos das suas vidas e algumas outras coisas cujo verdadeiro valor era o vazio que encontrava se olhasse para o lugar onde elas costumavam estar.

“Até agora vou-me aguentando”, considerou ele. Entre perdas e danos e a certeza adquirida de que nada dura para sempre, restavam-lhe várias razões e objectos e sentimentos para olhar em frente sem um sobressalto.

Enquanto fazia, com um prazer insuspeitado, o seu primeiro pequeno-almoço de homem só, passou à fase seguinte do que chamara o “plano de sobrevivência”: desfolhar a agenda de telefones em busca de amigos igualmente sós com quem fazer “programas de homens” ou de antigas namoradas, que se tinham separado ultimamente ou outras que achava acessíveis mas que nunca tivera a coragem e a oportunidade de aproximar. A primeira desilusão foi com os amigos: de A a Z, realizou que só tinha dois amigos sem mulher e, para agravar as coisas, com nenhum deles lhe apetecia sair e entrar numa de “anda daí e mostra-me lá como é o mundo lá fora”. Quanto às mulheres que julgava sortables, sempre eram cinco, mas o resultado foi quase patético. Duas já não moravam naqueles telefones, outra tinha-se casado entretanto, e o marido estava ao lado a ouvir a conversa, o que o deixou completamente idiota a inventar pretextos absurdos para o telefonema. Do número da quarta atendeu uma criancinha e ele desligou e foi só na última da lista que finalmente teve sorte: sim, a Joana morava ali, era ela própria ao telefone. Não, não estava casada nem, pelo que, esforçadamente, percebeu, tinha namorado. Sim, ok, por que não irem jantar logo, para falar do projecto que ele tinha e onde ela poderia caber. “Ah, a tua mulher não vem? Separados? Não, não sabia. Recente? Pois, essas coisas são tão chatas, mas ainda bem que reages e tens projectos novos e tudo! Ok, às oito e meia vens-me buscar”. Ele teria desligado quase em êxtase, não fosse a frase final dela, à despedida, que o deixou verdadeiramente abalado. “Olha, vais-me achar uma grande diferença. A idade não perdoa a ninguém, não é?”

Enfim, sempre era um date. O primeiro, certamente, de uma longa lista. O que interessa se for um flop — achas que ias encontrar uma mulher super logo ao virar da esquina? É preciso é entrar no circuito, pá, começar a sair, a ser visto, fazer com que as pessoas saibam que estás disponível. O resto vem por arrasto.

Passeou-se pela casa, pensativo, fumando o primeiro cigarro do dia. De repente lembrou-se que ainda não tinha visto o quarto do filho. A cama e a escrivaninha tinham ido, assim como praticamente todos os brinquedos. Sobrava um boneco de peluche, três ou quatro carrinhos semi-partidos, uns legos e um quadro para fazer desenhos, com os respectivos marcadores, pousados, à espera de uma mão de criança. A mesa-de-cabeceira ficara e parecia absurda no meio do quarto, sem a cama nem os outros móveis, com um retrato dele e do filho numa praia do Algarve, sorrindo, abraçados um ao outro. Sem saber porquê, sentou-se no chão encostado à parede, muito devagar, a olhar para a fotografia. Duas grossas lágrimas escorregaram-lhe pela cara abaixo e caíram na madeira do chão, entre as pernas. Foi só então que ele percebeu que estava a chorar."

- MIGUEL SOUSA TAVARES
, in "Não Te Deixarei Morrer, David Crockett"

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Dia inumerável

Insignificante. Foi esta a primeira palavra que escolhi, mas depois pu-la de lado. Na verdade, poderia apelidar de Justificado o que não queria saber. Qual a utilidade de saber efectivamente que dia era aquele? Para quê chamá-lo pelo número? Para poder lembrar-me daqui a um, dois, cinco meses, um ano do aniversário de uma ocasião que não quis ver crescer aos meus pés? Em concreto, não a vi sequer. Desviei a minha atenção para a altura do prédio da frente, e nunca me parecera tão grande. Eu ali, pequenina, invisivelmente anã, ou mais do que isso, a vulgar formiga a mingar perigosamente nas margens da sua dor. Vi carros, tantos carros. Passaram por nós pessoas, umas de mãos dadas. Sozinhas, poucas. Não olhei para ti uma única vez. Deixei-te na frente, a comandar, e sentei-me mais abaixo, onde deixasses já de fazer parte do meu horizonte que, sabia eu, ia forçosamente deixar de te incluir. Sei que juntei as mãos enquanto falavas as tuas palavras pausadas. Num gesto tão banal, concentrava as forças que me faltavam. Enquanto debitavas o nosso fado, eu desfazia as mãos que às vezes me davas, enviando-lhes a dor que me ofereceste. E nisto, tinha o corpo rígido, pesado, sofrido. A minha estrutura podia ter construído ali uma cratera, não fosses tu estar lá a segurar-me. Pouco mais eu dava sinais de estar viva, à parte o pescoço que se orientava para o lado oposto ao que ocupavas. Contraí nessa posição todas as células desta casca, congelei-me inteira para poder depois dizer-te que ainda estava viva. E tu falavas, a medo. Era quase um sussurrar, um leve som que davas às frases curtas, sucintas, para dizeres depressa o que achavas que conseguias. O meu corpo começou a tremelicar, logo depois a tremer. Eram sinais de quem não aguentava as tuas profecias, calculadas com base em distâncias que ainda agora não meço como sendo grandes. Elas, as que nos afastam, não são mais do que um dado adquirido e muito pouca importância se lhes deveria atribuir para além dessa. Oh menino, não vês que o meu corpo congelado se derrete? Não vês os sulcos que as lágrimas causam logo abaixo dos olhos que não consigo que te vejam?
Algum tempo depois saíste do teu sítio e ficaste mais perto. E o lado que eu reservava para te evitar foi o que ocupaste. Viste-me, já depois de teres a cara caída e em direcção ao chão, os braços desleixados sobre os joelhos, sim, isso eu reparei em ti. Viste as minhas lágrimas, tão desconhecidas por ti ainda, e encostaste-me ao teu calor, num gesto de quem lamentava o que nos estava a acontecer.
Eu lamento. Choro a morte do que existe entre nós, o que o vento ainda não nos roubou mas que com o tempo se sumirá.

«Rifa-se um coração»

"Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste
em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade está um
pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos e, cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente que nunca desiste
de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado coração
que acha que Tim Maia
estava certo quando escreveu…
“…não quero dinheiro, eu quero amor sincero,
é isso que eu espero…”.
Um idealista…Um verdadeiro sonhador…
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece, e mantém sempre viva a
esperança de ser feliz, sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando
relações e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste em cometer
sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome
de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado.
Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional
que abre sorrisos tão largos que quase dá
pra engolir as orelhas, mas que
também arranca lágrimas
e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado
por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado indicado apenas para
quem quer viver intensamente
contra indicado para os que apenas pretendem
passar pela vida matando o tempo,
defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras
e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando parar de bater
ouvirá o seu usuário dizer
para São Pedro na hora da prestação de contas:
“O Senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer e,
se recusa a envelhecer”
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por
outro que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate
tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda
não foi adotado, provavelmente, por se recusar
a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio,
sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento
até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar,
mas vez por outra,
constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence
seu usuário a publicar seus segredos
e a ter a petulância de se aventurar como poeta."

- CLARICE LISPECTOR

domingo, 10 de outubro de 2010

Ontem

Devolve-me o ontem. Por favor, devolve-me o ontem.

«Diz-me a verdade mesmo que mintas»

"Jura que vamos sentarmo-nos lá fora no jardim, o frio a lamber-nos o corpo, eu aninho-me em ti e ouvimos as estrelas e olhamos o silêncio cortado pelo vento nas folhas dos pinheiros.
Diz-me a verdade, mesmo que mintas.
Promete-me que no futuro, estaremos sós os dois, aqui nesta casa, as nossas impressões digitais coladas pelas paredes, fechamos todas as luzes e apenas as labaredas da lareira vão inundar a casa, tons quentes no frio da noite mágica.
Diz-me a verdade, ainda que me mintas.
Diz-me que vamos voltar atrás quando andarmos para a frente, e de novo saborear os nossos corpos, já lá vai tanto tempo que já não tenho o sal da tua pele na minha memória. Não sei se vamos retomar à paixão de há tantos anos atrás ou à acalmia do amor sereno mas tanto me faz, o que quero mesmo a voltar atrás nesse futuro e quando entrar a porta do quarto saborear de antemão o prazer das tuas mãos a tecerem rendas na minha pele.
Diz-me a verdade, nem que me tenhas que mentir, e pintar o céu de outra cor qualquer, e dar-me asas para voar, que eu não aguento mais, aqui sufoco, aqui morro todos os dias mais um pouco.
Diz-me a verdade mesmo que me mintas e eu levar-te-ei nos meus braços quando levantar voo daqui sem sairmos os dois do sofá, da carpete, da cama.
Mas diz-me a verdade. Diz-me toda a verdade coberta pelas mais doces mentiras, essas promessas de futuro, de acalmia, de passeios na praia quando o frio aperta e as gaivotas baixam ao areal.
Diz-me a verdade e promete-me uma noite de sono. Mente e diz-me que vou dormir como um bebé virgem de medos, sem estes terrores nocturnos, sem este acordar diário a teu lado na cama, e contudo, tão só como o primeiro ser do universo.
Diz-me a verdade que não me importo que seja mentira. Já não faz diferença alguma, na verdade o que te peço é que me mintas, mas desta vez não me dês uma das tuas mentiras que me fazem chorar, que me fazem sangrar e me roubam dias de vida.
Não.
Diz-me a verdade da mentira que vamos viver. Diz-me depressa que eu não sei quanto tempo mais consigo respirar aqui!"

- LUISA CASTEL-BRANCO, "Diz-me a verdade mesmo que mintas"

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Verdades por Rodrigo Guedes de Carvalho

Descoberto por uma das pessoas que mais estimo e a quem melhor quero. Para ti, mando-te um abraço sentido enrolado no vento que hoje não adormece! *

"Sabes perfeitamente que não devias voltar. E no entanto. Ainda há pouco, à entrada da vila que quase falhaste por estar tão diferente, uns sinais que cá não estavam, uma rotunda pequenina que entretanto nasceu, vegetação seca no meio, sempre se poupa água. Ainda há pouco, ao entrares na vila, ao reentrares no que foste um dia, veio, sabe-se lá de onde, nunca soubeste, um aroma que te guia. Parece-te sempre que é como aquelas nuvenzinhas dos desenhos animados, que se transformam em braço e mão, e te fazem sinais com os dedos, a chamar-te. Quiseste um dia escrever sobre esse cheiro, que não é bem mar nem sal, que sabe um pouco a vento, que traz calor agarrado. Havia um odor que te sabe a infância, mas sabias lá como dizê-lo: e assim aprendeste a coisa mais importante quando se escreve, que há coisas que simplesmente não têm palavras para elas. Aqui estás, na hesitação leve e disfarçada (não sabes para onde ir) na esperança de arrefeceres uma dor que te queima. Quiseste regressar a um sítio onde foste feliz, falhou-te a outra tentativa. Quando o desgosto, mais um, mas este tão brutal, te levou a partir para longe. Viajaste, calcoreaste toda a Terra: alguém te disse (uma data de gente, aliás) que te faria bem, se é que ainda se pode falar de fazer bem quando dói tanto. Mas que fosses. Que precisavas de desanuviar a cabeça, conhecer outras pessoas, que a solução será afastares-te o mais possível dos cheiros e cores e sons que te doem. Que andares distraída seria um bálsamo. Uma cura. Fizeste o suposto, cumpriste o que te aconselharam. E em cada um desses sítios de fim de mundo tentaste deixar por lá a mágoa, afastares-te dela, aproveitar quando ela se distraísse, largares a correr em sentido contrário. A esperança de voltares mais leve. Querias cumprimentar as pessoas, a data delas que te aconselhou. Dizer-lhes obrigado, foi de facto uma solução para a cura, já não me dói. E assim aprendes a não crer cegamente em todos os conselhos. As pessoas não fazem por mal, mas as pessoas julgam sempre que sabem muitas coisas. E julgam sobretudo que somos todos iguais, dá menos trabalho, olha-me só a balbúrdia confusa que seria reparar que somos todos únicos. E por isso não, a dor não ficou lá nesses países. Regressa intacta, contigo. Tentas então aqui, aonde não vinhas há tanto tempo, o sítio onde foste tão feliz e pode ser, pode bem ser, que te deixe adormecer na sua paz de memória. É isso que anseias, o coração a bater mais depressa, mas o sítio, a começar pela rotunda, mais uns edifícios que também cá não estavam, já não é o mesmo. Sim, eu sei, parece-te o mesmo, ainda há coisas que permanecem, o paredão antes da areia, a barraca onde se alugavam os guardasóis para todo o Verão. Tu estás cá de novo, mas já não és tu, vinhas à procura de uma criança com outra vida à volta. Já cá não estás. E a dor, reparas, ainda lá. Nem para o lado, na imensidão do mundo, nem para trás, o passado é só isso. Só tens caminho para a frente."

- RODRIGO GUEDES DE CARVALHO

Qual a área de estragos que a bomba deixará por aqui?

Nunca te dediquei muitas palavras, mas bem sei que as mereces. Não me perguntes a razão de o não ter feito, não sei ao certo. O que sei, e me dói, é que talvez exista um fundo de independência por aí entretido. Eu, tão dependente e às vezes tão desligada daqueles a que me apego. Porque sim, apeguei-me.
Tudo o que te posso dizer é que a bomba caiu causando mais danos do que eu esperava. Para dizer a verdade, não te via como alguém capaz de premeditar uma guerra. Eu imaginava-te do outro lado, um guerreiro a empilhar sacos de areia enquanto sofria um ataque.
Mas a bomba caiu mesmo. Mas logo agora, depois de manifestos que não a faziam adivinhar? Não esperava que as reviravoltas se dessem sem verdadeiros indícios, ataques previsíveis à tranquilidade.
De que vale o medo agora que já se vê o fogo, o fumo? De que serve mais moderação, agora que tudo temo ter perdido?
Há em mim um mal estar maior do que tu. Se quando voltar a levantar o olhar já não estiveres aí, prometes que de quando em quando podes voltar até mim?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O meu Outono

Estarei louca? Desnorteada, asseguro. Louca, ainda equaciono. Quanto de mim me falta encontrar na podridão do que deixei envelhecer no meu Outono? As folhas que encontro na rua envergonham-me. Na minha estação os passos não variam, não caem mais de mim. Não se renasce, não há espaço para inovações pessoais que cedo perdem o brilho. Existem perguntas, uma catapulta que as lança com o tempo mínimo de recarga.
Onde está a mudança gradual das cores? Para onde escorregou a vontade peremptória que ao vento segredei?
O mundo não me aparece com outro tom que não o sépia. Envelheci sem me aperceber e agora lamento os instantes que deixei a secar ao lado do meu rendado vestido branco. Olho para trás e continuo sem saber quando os apanhei. Talvez ainda estejam lá, mas diz a minha consciência, num tom indignado, que não, que já lhes peguei pela mão. Onde está a verdade quando o meu próprio eu acentua o nevoeiro que me rodeia?

domingo, 3 de outubro de 2010

"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados."

-BERNARDO SOARES
,
in "Livro do Desassossego"

sábado, 2 de outubro de 2010



She's a rainbow and she loves the peaceful life
Knows I'll go crazy if I don't go crazy tonight
There's a part of me in the chaos that's quiet
And there's a part of you that wants me to riot

Everybody needs to cry or needs to spit
Every sweet tooth needs just a little hit
Every beauty needs to go out with an idiot
How can you stand next to the truth and not see it?

A change of heart comes slow

It's not a hill, it's a mountain
As you start out the climb
Do you believe me, or are you doubting
We're gonna make it all the way to the light
But I know I'll go crazy if I don't go crazy tonight

Every generation gets a chance to change the world
Pity the nation that won't listen to your boys and girls
Cos the sweetest melody is the one we haven't heard
Is it true that perfect love drives out all fear?
The right to appear ridiculous is something I hold dear
Oh, but a change of heart comes slow

It's not a hill, it's a mountain
As you start out the climb
Listen for me, I'll be shouting
We're gonna make it all the way to the light
But you know I'll go crazy if I don't go crazy tonight

Baby, baby, baby, I know I'm not alone
Baby, baby, baby, I know I'm not alone

It's not a hill, it's a mountain
As we start out the climb
Listen for me, I'll be shouting
Shouting to the darkness, squeeze out sparks of light

You know we'll go crazy
You know we'll go crazy
You know we'll go crazy if we don't go crazy tonight

Oh oh
Slowly now
Oh oh

I'll Go Crazy If I Don't Go Crazy Tonight
,
U2
Ele passou por mim e sorriu,
e a chuva parou de cair,
o meu bairro feio tornou-se perfeito,
e o monte de entulho, um jardim.

O charco inquinado voltou a ser lago,
e o peixe ao contrário virou.
Do esgoto empestado saiu perfumado
um rio de nenúfares em flor.

Sou a mariposa bela e airosa,
que pinta o mundo de cor de rosa,
eu sou um delírio do amor.

Sei que a chuva é grossa, que entope a fossa,
que o amor é curto e deixa mossa,
mas quero voar, por favor!

No metro, enlatados, corpos apertados
suspiram ao ver-me entrar.
Sem pressas que há tempo,
dá gosto o momento,
e tudo mais pode esperar.

O puto do cão com seu acordeão,
põe toda a gente a dançar,
e baila o ladrão,
com o polícia p'la mão,
esvoaçam confetis no ar.

Sou a mariposa bela e airosa,
que pinta o mundo de cor de rosa,
eu sou um delírio do amor.

Sei que a chuva é grossa, que entope a fossa,
que o amor é curto e deixa mossa,
mas quero voar, por favor!

Há portas abertas e ruas cobertas
de enfeites de festas sem fim,
e por todo o lado, ouvido e dançado,
o fado é cantado a rir.

E aqueles que vejo, que abraço e que beijo,
falam já meio a sonhar,
se o mundo deu nisto e bastou um sorriso,
o que será se ele me falar.

Sou a mariposa bela e airosa,
que pinta o mundo de cor de rosa,
eu sou um delírio do amor.

Sei que a chuva é grossa, que entope a fossa,
que o amor é curto e deixa mossa,
mas quero voar, por favor!

Sou a mariposa bela e airosa,
que pinta o mundo de cor de rosa,
eu sou um delírio do amor.

Sei que a chuva é grossa, que entope a fossa,
que o amor é curto e deixa mossa,
mas quero voar, por favor!

Passou Por Mim e Sorriu
,
DEOLINDA

«Tem de se arrumar muito depressa»

"Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos?"

- HERBERTO HELDER,
in "Os Passos em Volta"
My dove
You came to the window as a spark
And left as a raven after dark
Was I the tourist in your heart?
Now love
I tried to be native in your land
But you dismissed me careless hand

For I’ve held paradise
But lost sight of it now

And time
Don’t be a stranger with a drop
Fill in the spaces
Set up shop
I need a fix
Fast forward clocks

All I want is to hold you to me now
All I want is forever to allow

Paradise
,
ROYAL WOOD

U2: Um ano de espera!

É amanhã, é amanhã, é amanhã! É amanhã :D

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Há dias assim.

Remexendo nas palavras que me fazem sentir, lembrei-me deste meu pequeno devaneio poderia ter sido escrito hoje...

Perdoem-me a repetição, mas hoje estou assim!

«Something's Missing»

...
When autumn comes,
it doesn't ask.
It just walks in where it left you last.
You never know when it starts
Until there's fog inside the glass around your summer heart.
...

Something's Missing,
JOHN MAYER

terça-feira, 28 de setembro de 2010

domingo, 26 de setembro de 2010

Objecto amoroso não é a grande unidade de sentido e significação

"O nosso mundo tão pragmático é também paradoxal. Só por isso se entende que o seu âmago de motivações seja múltiplo e rode em torno, umas vezes de dimensões que consideramos materialistas ou funcionais, outras de um romantismo serôdio e inexplicável.
As histórias de amor fazem parte integrante desse núcleo central de razões que nos fazem mexer. Por mais escamoteadas que sejam na sua real importância, por mais periféricas que queiramos que sejam, o facto incontornável é que a maioria das pessoas, em algum momento da sua vida, faz do seu objeto amoroso a grande unidade de sentido e significação.
É sobre uma relação amorosa que, frequentemente, assentam opções e escolhas de todo o tipo que depois se transformam em trajetórias de vida.
Mas embora as histórias de amor se assemelhem e mobilizem impulsos, emoções e sentimentos idênticos em diferentes pessoas, o facto é que crescem, se desenvolvem e morrem com diferentes estruturas relacionais.
Nuns casos, a ausência, a distância física, que normalmente faz pensar também na distância emocional, de acordo com o velho princípio do "longe da vista, longe do coração", parece ajudar a idealização e facilitar que o Outro permaneça no tempo como um objeto de desejo.
Noutros casos, pelo contrário, a história constrói-se sobre uma presença permanente, uma partilha constante, uma proximidade física que não imagina nem suporta qualquer espécie de ausência.
A presença e a ausência, que por si mesmas não definem sentimentos nem justificam qualidades de afetos, acabam por ser estilos relacionais que, com a continuidade, se transformam em verdadeiros estilos de vida.
Quem se habitua a ter um objeto de amor em fundo sem, contudo, contaminar o quotidiano de pequenas adaptações e cedências, resiste o mais que pode à proximidade que sente como invasão do seu espaço.
Quem faz da partilha e da comunhão de todos os momentos uma forma de amor, não entende o interesse e a ligação de uma relação sem presença.
Às vezes, as histórias de amor fazem-se de ausências, outras vezes, pelo contrário, de presenças. Apenas porque sim."

- ISABEL LEAL, crónica "Longe da Vista"

sábado, 25 de setembro de 2010

As pessoas suportam tudo, as pessoas às vezes procuram exatamente o que será capaz de doer ainda mais fundo, o verso justo, a música perfeita, o filme exato, punhaladas revirando um talho quase fechado, cada palavra, cada acorde, cada cena, até a dor esgotar-se autofágica, consumida em si mesma, transformada em outra coisa que não saberia dizer qual era.

CAIO FERNANDO ABREU, in "Triângulo Das Águas"

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Silence!

Mas fiquei calada, aguentando o peso das minhas asas…

— CLARICE LISPECTOR

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Let's pretend we know who we are

Ela é uma moça de poses delicadas, sorrisos discretos e olhar misterioso. Ela tem cara de menina mimada, um quê de esquisitice, uma sensibilidade de flor, um jeito encantado de ser, um toque de intuição e um tom de doçura. Ela reflete lilás, um brilho de estrela, uma inquietude, uma solidão de artista e um ar sensato de cientista. Ela é intensa e tem mania de sentir por completo, de amar por completo e de ser por completo. Dentro dela tem um coração bobo, que é sempre capaz de amar e de acreditar outra vez. Ela tem aquele gosto doce de menina romântica e aquele gosto ácido de mulher moderna

— CAIO FERNANDO ABREU

É.

(…) O que eu não sabia nem poderia saber —em parte porque aos 20 anos a gente pouco sabe além da própria fome, em parte porque não podia, nem posso ou podemos, prever o futuro — é que embora parecesse tarde, era ainda cedo. (…) Ó Deus, como é triste lembrar do bonito que algo ou alguém foram quando esse bonito começa a se deteriorar irremediavelmente. (…)

— CAIO FERNANDO ABREU

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Um mundo em bico

Estou apaixonada pelas descrições presentes no livro que me encontro a ler. Aliás, todo o livro se materializa numa descrição do Japão, um país com vários corações, um em cada luz que se acende e apaga, todas elas formando um manto branco com palpites vermelhos de quando em quando. E é nesta viagem por páginas inteiras de descrição que vou descobrindo um mundo diferente do nosso, uma sociedade acelerada com multidões em todas as ruas e agradáveis pormenores que entre elas nascem que estou agora a conhecer.

"Em Shinjuku o fim da tarde é o azul do céu baixando, escurecendo, e – como um contra-peso, como se as coisas estivessem ligadas – as luzes de néon acendendo-se; e as pessoas passando mais e mais, e as janelas iluminadas aparecendo nos prédios com silhuetas negras, e os sons clareando (passos, uma voz ao longe, a porta de uma cabine telefónica, o tilintar das garrafas no cesto de uma bicicleta), e os brilhos pequenos deslizando nos automóveis, e à beira da estrada, na avenida, um homem velho de boné e acendendo um cigarro com toda a calma do mundo; o homem depois, de cigarro na boca, levantando os olhos – isso é o que me faz pensar no fim da tarde. No meio da rua, no meio de tantas coisas (vozes, rostos, corpos, cores), a sensação de que tudo está ligado entre si, que, de certa forma obscura, inexplicável, por linhas muito finas, transparentes, tudo se toca."

JACINTO LUCAS PIRES, in "Livro Usado (numa viagem ao Japão)"

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

sábado, 11 de setembro de 2010

A simplicidade do fundamental

Tenho saudades do que é breve e vai para além dos barcos. Esvai com a alvorada…


-RUDINEI BORGES
I used to write,
I used to write letters I used to sign my name
I used to sleep at night
Before the flashing lights settled deep in my brain

But by the time we met
By the time we met the times had already changed

So I never wrote a letter
I never took my true heart I never wrote it down
So when the lights cut out
I was left standing in the wilderness downtown

Now our lives are changing fast
Now our lives are changing fast
Hope that something pure can last
Hope that something pure can last

It seems strange
How we used to wait for letters to arrive
But what's stranger still
Is how something so small can keep you alive

We used to wait
We used to waste hours just walking around
We used to wait
All those wasted lives in the wilderness downtown

oooo we used to wait
oooo we used to wait
oooo we used to wait
Sometimes it never came
(oooo we used to wait)
Sometimes it never came
(oooo we used to wait)
Still moving through the pain
(oooooo)

I'm gonna write a letter to my true love
I'm gonna sign my name
Like a patient on a table
I wanna walk again gonna move through the pain

Now our lives are changing fast
Now our lives are changing fast
Hope that something pure can last
Hope that something pure can last

oooo we used to wait
oooo we used to wait
oooo we used to wait
Sometimes it never came
(oooo we used to wait)
Sometimes it never came
(oooo we used to wait)
Still moving through the pain
(oooooo)

we used to wait (x3)

We used to wait for it
We used to wait for it
Now we're screaming sing the chorus again
We used to wait for it
We used to wait for it
Now we're screaming sing the chorus again

I used to wait for it
I used to wait for it
Hear my voice screaming sing the chorus again

Wait for it

We Used To Wait
,
ARCADE FIRE

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O senhor dos clássicos!

There may be trouble ahead,
But while there's moonlight and music and love and romance,
Let's face the music and dance

Before the fiddlers have fled,
Before they ask us to pay the bill,
And while we still have the chance,
Let's face the music and dance

Soon, we'll be without the moon,
Humming a different tune
And then...

There may be teardrops to shed,
So while there's moonlight and music and love and romance,
Face the music and dance

Before the fiddlers have fled
Before they ask us to come up with the bill,
And while we still have got that chance,
Face that music and dance

Soon, we'll be without the moon,
Humming a different tune,
And then...

There may be teardrops to shed
So while there's moonlight and music and love and romance,
Let's face the music and dance
Dance
Let's face the music,
Look at that music
Why not face the music and dance?

Let's Face The Music And Dance
,
FRANK SINATRA