segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Cru com as terras e terrinhas

"Um dos grandes problemas da nossa sociedade é o trauma da morada. Por exemplo, há uns anos, um grande amigo meu, que morava em Sete Rios, comprou um andar em Carnaxide.
Fica pertíssimo de Lisboa, é agradável, tem árvores e cafés. Só tinha um problema. Era em Carnaxide.
Nunca mais ninguém o viu.
Para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a Mauritânia!
Acontece o mesmo com todos os sítios acabados em -ide, como Carnide e Moscavide. Rimam com Tide e com Pide e as pessoas não lhes ligam pevide.
Um palácio com sessenta quartos em Carnide é sempre mais traumático do que umas águas-furtadas em Cascais. É a injustiça do endereço.

Está-se numa festa e as pessoas perguntam, por boa educação ou por curiosidade, onde é que vivemos. O tamanho e a arquitectura da casa não interessam. Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massamá, Brandoa, Cumeada, Agualva-Cacém, Abuxarda, Alformelos, Murtosa, Angeja. ou em qualquer outro sítio que soe à toponímia de Angola.

Para não falar na Cova da Piedade, na Coina, no Fogueteiro e na Cruz de Pau. (...)

Ao ler os nomes de alguns sítios - Penedo, Magoito, Porrais, Venda das Raparigas, compreende-se porque é que Portugal não está preparado para entrar na Europa.

De facto, com sítios chamados Finca Joelhos (concelho de Avis) e Deixa o Resto (Santiago do Cacém), como é que a Europa nos vai querer integrar?

Compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira não é nada comparado com certos nomes portugueses.

Imagine-se o impacto de dizer "Eu sou da Margalha" (Gavião) no meio de um jantar.

Veja-se a cena num chá dançante em que um rapaz pergunta delicadamente "E a menina de onde é?", e a menina diz: "Eu sou da Fonte da Rata" (Espinho).

E suponhamos que, para aliviar, o senhor prossiga, perguntando "E onde mora, presentemente?", Só para ouvir dizer que a senhora habita na Herdade da Chouriça (Estremoz).

É terrível. O que não será o choque psicológico da criança que acorda, logo depois do parto, para verificar que acaba de nascer na localidade de Vergão Fundeiro?

Vergão Fundeiro, que fica no concelho de Proença-a-Nova, parece o nome de uma versão transmontana do Garganta Funda.

Aliás, que se pode dizer de um país que conta não com uma Vergadela (em Braga), mas com duas, contando com a Vergadela de Santo Tirso ? Será ou não exagerado relatar a existência, no concelho de Arouca, de uma Vergadelas?

É evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra".

Ninguém é do Porto ou de Lisboa.

Toda a gente é de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a nossa terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que fazem apetecer mentir.

Qualquer bilhete de identidade fica comprometido pela indicação de naturalidade que reze Fonte do Bebe e Vai-te (Oliveira do Bairro).

É absolutamente impossível explicar este acidente da natureza a amigos estrangeiros ("I am from the Fountain of Drink and Go Away...").
Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo como sendo originário de Filha Boa.
Verá que não é bem atendido. (...) Não há limites. Há até um lugar chamado Cabrão, no concelho de Ponte de Lima !!!
Urge proceder à renomeação de todos estes apeadeiros.
Há que dar-lhes nomes civilizados e europeus, ou então parecidos com os nomes dos restaurantes giraços, tipo : Não Sei, A Mousse é Caseira, Vai Mais um Rissol. (...)

Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um percurso que vá da Fome Aguda à Carne Assada (Sintra) passando pelo Corte Pão e Água (Mértola), sem passar por Poriço (Vila Verde), e acabando a comprar rebuçados em Bombom do Bogadouro (Amarante), depois de ter parado para fazer um chichi em Alçaperna (Lousã)."

- MIGUEL ESTEVES CARDOSO, "Diz-me Onde Moras"

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Quotes

"All women become their mothers. That's their tragedy.

No man does. That's his."


- OSCAR WILDE

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Wanted

"I think it's better to have someone, even if it hurts, even if it is the most painful thing you have done, even if it's the most painful thing you've ever had to do. I think it's better to have someone.

At the end of the day, when it comes down to it, all we really want is to be close to somebody. So this thing where we all keep our distance and pretend not to care about each other, it's usually a load of bull. So we pick and choose who we want to remain close to, and once we've chosen those people, we tend to stick close by. No matter how much we hurt them. The people that are still with you at the end of the day, those are the ones worth keeping. And sure, sometimes close can be too close. But sometimes, that invasion of personal space, it can be exactly what you need."

Quotes from Grey's Anatomy



segunda-feira, 22 de agosto de 2011

I could tell you how it felt like. I could really tell you but still you wouldn't get it.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

(ainda)

De olhos fechados. Não é precisa concentração para que surjam imagens com que aprendi a lidar e as quais ainda não equacionei perder.
Há um sinal ali. Há uma marca daquele lado. E há uns riscos mais acima, que eu bem sei o que são. Do que é visível, sei quase tudo. Por isso ainda digo que há mais do que isto.

Por mais que feche os olhos há zonas onde não chego. I'm not there yet but someday I'll be. And I'm not there yet but we'll see.





LUISA SOBRAL - Not There Yet












terça-feira, 16 de agosto de 2011

Páginas descritivas II

"Num pequeno terraço sobre a cidade, enquanto vai pendurando a roupa ao sol (no chão de cimento as sombras como bandeiras), a senhora Kyioko explica-me em inglês que sempre quis ir a Lisboa porque, aos quatro anos, em Quioto, viu um bar chamado "Lisbon" e as letras luminosas a acender e apagar na noite fascinaram-na e marcaram-na. Anos mais tarde, aquilo veio-lhe à memória e ela foi ver a uma enciclopédia o que é que significavam essas letras, "Lisbon". Aprendeu que era uma cidade, a capital de um país chamado Portugal, que ficava na Europa, e construiu o sonho de viajar até lá, um dia. "Ainda hei-de lá ir", diz-me num sorriso enquanto tira uma camisa da corda. No cimento as bandeiras de sombra agitando-se um pouco."


- JACINTO LUCAS PIRES, in "Livro Usado" (2001), Livros Cotovia

Páginas descritivas

"As avenidas amplas e silenciosas, com reflexos nos vidros negros e uma ou outra bicicleta solitária; na berma da estrada, à volta de um buraco, as luzes caladas (como poucos sinais) girando - a noite limpa, brilhante.

Na ponte, no fim da noite, um homem de chapéu toca uma canção triste, e ao longe os prédios são cores na água, e no alto a lua é um ponto frágil."


- JACINTO LUCAS PIRES, in "Livro Usado" (2001), Livros Cotovia