sábado, 31 de julho de 2010

Falso alarme num laço de cetim dourado

Abri as portadas e cheirava a dor. Conseguia ouvir o leve choro das lágrimas por conter e relembrar as mãos ocupadas: uma a tapar a boca e outra a segurar o coração. Fora há quase um ano que ali estivera, um sítio que prometia dias melhores, uma solução para uma cabeça a rebentar de movimentos vai-vém de pensamentos.
Por muita curiosidade que tivesse em olhar aquele espaço, preferi ficar-me pela curiosidade. Depois de todo aquele tempo, continua a ser tudo demasiado recente e a imagem daquela noite não me abandonava.
Talvez existissem mais carros por ali, mais vidas descompassadas. Podia chegar a ver uma folha da encosta a ser debicada enquanto a noite quente era adocicada por luzes naturais. O meu azar continuaria ali, amarrado a uma pergunta que recordo de entre as horas amargas que assistiram um sorriso perante um rosto molhado. Um sorriso, um verdadeiro sorriso daqueles que pintam de verde o segundo em que o inesperado se ergue. A interrogação vinha mascarada de um “se” que não reconheci. Ao invés, considerei-a o laço de cetim dourado. Eu cega, eu apaixonada, eu comovida, eu anciosa, eu dorida. Dorida, verdadeiramente. Seria uma sombra, a mancha daquela noite de Verão.
Estive perto de pôr lá o pé e tive uma voz a encorajar-me a fazê-lo. Para quê? Para me ver sentada no chão, encostada ao que havia de vir? Prefiro ficar-me por onde a auto-corrosão não pode encontrar-me.
Ainda assim, não deixei de me imaginar lá novamente. Vi-me de pé a agarrar o que ainda tenho, de punhos cerrados. Previ-me sentada no mesmo sítio onde a luz quase se acendeu, distante no tempo. O que realmente acabei por fazer foi comparar o que sei e o que sabia, nada aliviada por ter descoberto o que faltava. Pensaria que sim! Porque não acreditar que a angústia do desconhecido é a maior? É sentir-se em cima do que não se sabe que existe, ter desalinhados os eixos que se devem ter certos.
Dei a melhor resposta. À pergunta, refiro-me. Nem sequer questiono isso. Se no mundo do papel não existem borrachas milagrosas, quanto mais no nosso! A feridas abertas recomenda-se um composto que bebe da discussão, da compreensão, do tempo e da mudança. Não me venham com caminhadas de passadas fortes por cima dos problemas.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A morte é feia.

A morte do António Feio deixou-me perplexa. Não vos sei dizer, mas talvez tenha sido a forma como encarou a doença e a esperança que manteve, à parte o realismo que nunca desvalorizou, que nos fizeram acreditar que o camandro do actor não iria ser vencido pelo pâncreas.
Eu tive a sorte de o ver uma vez em palco, a única, e adorei. Como amante do teatro, foi dos melhores momentos que alguma vez pude presenciar!
Admiro o homem, o actor, o talento, o humor, a luta pela vida.
Não posso deixar de dizer que no fim de tudo, ele não saiu vencido. Foi um herói e, como ele próprio referiu, "a luta nunca será inglória". Obrigada pela lição, pela sabedoria e pela oportunidade de aprendermos a rir do mais negro que há em nós!
Que apareçam mais como tu António! O teatro perdeu um grande filho!


quarta-feira, 28 de julho de 2010

Taking it to the next level

Piegas? Não. Eu reagi precisamente da mesma forma.



"They take pictures of mountain climbers at the top of the mountain. They’re smiling, ecstatic, triumphant. They don't take pictures along the way. 'Cause who wants to remember the rest of it? We push ourselves because we have to. Not because we like it. The relentless climb. The pain and anguish of taking it to the next level. Nobody takes pictures of that. Nobody wants to remember. We just want to remember the view from the top. The breathtaking moment at the edge of the world. That's what keeps up climbing. And it's worth the pain. That's the crazy part. It's worth anything."

terça-feira, 27 de julho de 2010

é isto.

"À minha volta a casa parecia flutuar. (...) Tinha o espírito vazio, o corpo dorido como se me tivessem dado uma tareia. Deitei-me e fechei os olhos. Antes de tudo, dormir. Amanhã seria outro dia. Encontraria uma solução."

SAMPAT PAL com ANNE BERTHOD, in "A Mulher do Sari Cor-de-Rosa"

domingo, 25 de julho de 2010

Desordem

"Costumava dizer ao seu fiel amigo, (...), que a sua memória era como a barriga do navio onde se conheceram, vasta e sombria, repleta de caixotes, de barris e de sacos onde se acumulavam os acontecimentos de toda a sua existência.
Acordada, não era fácil encontrar alguma coisa naquela imensa desordem, mas adormecida, conseguia sempre fazê-lo, tal como Mama Fresia lhe ensinara nas noites doces da sua infância, quando os contornos da realidade eram apenas um traço fino de tinta pálida.
Entrava no local dos sonhos por um caminho muitas vezes percorrido, e regressava com grandes precauções,para que as ténues visões não se despedaçassem contra a luz áspera da consciência."

ISABEL ALLENDE, in "Filha da Fortuna"

Mas para mim, às vezes, quase todas as vezes, não é preciso adormecer para encontrar as memórias na nossa desordem.

sábado, 24 de julho de 2010

Falta de discernimento

Será que ninguém entende? Ou todos entendem menos eu?

Devo viver confudida.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O recomeço num beijo

"- Então - disse ele, e senti os braços dele a envolverem-me. A respiração era quente no cimo da minha cabeça. - O que foi?
Inclinei o rosto para o dele. Queria contar-lhe tudo - o que me disseste, como estava tão cansada, como me sentia vacilar - mas em vez disso ficámos a olhar um para o outro, a telegrafar mensagens que nenhum de nós tinha coragem de dizer em voz alta. E então, devagar, para que ambos soubéssemos o erro que estávamos a cometer, beijámo-nos.
Não me lembrava da última vez que tinha beijado Sean, pelo menos assim, sem ser aquele beijo superficial de despedida por cima do lava-loiça. Era profundo, rude e devorador, como se ambos devêssemos ficar em cinzas quando acabasse. A barba dele deixou-me o queixo em carne viva, os dentes morderam, a respiração dele encheu-me os pulmões. A sala cintilava ao canto do olho e afastei-me para poder respirar.
- O que estamos a fazer? - arquejei.
Sean escondeu o rosto na minha garganta.
- Que interessa, desde que continuemos a fazê-lo.
Então as mãos dele deslizaram-me debaixo da camisola, marcando-me; tinha as costas encostadas à porta de metal e vidro da máquina de secar roupa quando Sean me empurrou contra ela. Ouvi o tilintar da fivela do cinto dele a cair no chão e só depois percebi que tinha sido eu a atirá-la para o lado. Enrolando-me à volta dele, tornei-me numa trepadeira, luxuriante, entrelaçada. Atirei a cabeça para trás e desabrochei.
Terminou tão depressa quanto tinha começado e, de repente, éramos o que fôramos quando começámos: duas pessoas de meia-idade demasiadamente sós para se tornarem desesperadas. As calças de ganga de Sean estavam enroladas nos tornozelos; as mãos dele agarravam-me nas coxas. A pega da máquina de secar roupa estava a magoar-me as costas. Deixei uma perna cair no chão e enrolei um lençol dele em volta da cintura.
Ele estava a corar, um rubor profundo e desgarrado.
- Desculpa.
- Estás arrependido? - ouvi-me dizer.
- Talvez não - admitiu.
Tentei afastar os cabelos emaranhados do rosto penteando-os com os dedos.
- Então e agora o que fazemos?
- Bem - disse Sean. - Não podemos voltar atrás.
- Não.
- E tens o meu lençol de cima em volta do teu... tu sabes.
Olhei para baixo.
- E o sofá é mesmo muito desconfortável - acrescentou.
- Sean - disse eu, sorrindo. - Vem para a cama.

Pensei que no dia do julgamento ia acordar com um nó no estômago ou uma violenta dor de cabeça, mas à medida que os meus olhos se adaptaram à luz do Sol, só conseguia pensar, "Vai correr tudo bem." Os músculos deliciosamente doridos não me incomodavam, virei-me para o lado e espreguicei-me, ouvindo a música do chuveiro a correr, com Sean lá dentro. [...]
Estava de casaco e gravata em vez da farda. "Vai comigo para o tribunal", pensei, começando a sorrir de dentro para fora. [...]
- Posso estar pronta daqui a quinze minutos.
Sean ficou imóvel a meio do processo de te tapar com um cobertor.
- Calculei que fôssemos em carros separados - hesitou. - Tenho de encontrar-me com o Guy Booker antes.
Se ele ia encontrar-se com Guy Booker, isso queria dizer que ainda pensava em testemunhar a favor de Piper.
Estivera a mentir a mim própria porque era mais fácil do que enfrentar a verdade: sexo não é amor e um simples paliativo de uma noite não podia remediar um casamento desfeito.
- Charlotte? - disse Sean, e apercebi-me de que me fizera uma pergunta. - Queres panquecas?
Tinha a certeza de que ele não sabia que as panquecas eram dos bolos mais antigos da América; que no século XVIII, quando não havia fermento, as faziam crescer batendo os ovos para incorporar ar na massa. Tinha a certeza de que ele não sabia que já havia panquecas na Idade Média, quando eram servidas na Terça-Feira de Carnaval, antes da Quaresma. Que se a grelha estivesse demasiado quente, as panquecas ficavam duras e elásticas; e que se estivesse demasiado fria, ficavam secas e duras.
Também tinha a certeza de que não se lembrava de que o primeiro pequeno almoço que lhe servi como sua mulher foi de panquecas, quando regressámos da lua-de-mel. Fiz o polme e verti-o para um saco, cortando-lhe um dos cantos e utilizando-o para dar forma às panquecas. Servi a Sean uma pilha de corações.
- Não tenho fome - disse eu."

JODI PICOULT, in "Frágil"


Se assim fosse era fácil demais. Se um beijo começasse por resolver vidas, então que coisas não se poderiam deixar de esperar? Mas nem no livro foi assim, nem na vida real poderia ser. Ou podia? As coisas mudam porque de um momento para o outro repensamos uma ideia que sempre rejeitámos? Como um estalar de dedos, muda-se assim?

Just don't lie.

I'm not calling you a liar, just don't lie to me
I'm not calling you a thief, just don't steal from me
I'm not calling you a ghost, just stop haunting me
And I love you so much, I'm gonna let you kill me

There's a ghost in my lungs and it sighs in my sleep
Wraps itself around my tounge as it softly speaks
Then it walks, then it walks with my legs
To fall, to fall, to fall at your feet

...


I'm Not Calling You A Liar (Just Don't Lie),

FLORENCE AND THE MACHINE

Que fosse, que fosse! Que não é!

Não sei se a fronteira é rija o suficiente. Pergunto-me se não será uma coluna serpenteada de ar, em oposição ao risco grosso e extremamente bem definido que eu pensei que fosse. E recto também.
As coisas mudam! As nossas perspectivas também. Um nevoeiro denso e mais opaco do que transparente surgiu-se-me na frente, como que pensando que ia conseguir levar a melhor sobre as minhas capacidades, bastantante apuradas diga-se, de desconfiar desde a situaçãozinha ao grande problema.
Até parece que vivo dessa vontade de primar o desejo do que é incerto quando me dá na gana, o que é o mesmo que dizer... quase sempre.
Não gosto que me confundam. Não gosto que me atirem areia aos olhos. É uma vontade justa, não é?

Bolas, e será justo querer o que não devo?

Eu chamo-lhe vida

A primeira vez que entrei numa discussão sobre o aborto tinha uma posição bem definida, um vinco muito bem passado. Nunca a abandonei por completo porque não tenho o início da concepção da vida no momento em que o coração bate, mas antes, muito antes. (Ás vezes até o meu coração deixa de bater e eu continuo com vida.) Outra parte leva-me sempre a pensar no corpo e na percepção de uma mãe que não se sente mãe e que se prende precisamente com o que hoje li. Apesar de não conhecer todas as mulheres do mundo, acredito piamente que praticamente todas as que deixam a criança por nascer perdem com ela uma parte de si. Afinal, todos sentimos falta de algo na vida que nunca chegou a ser, mesmo que a coisa mais banal dos nossos dias. Imagine-se então o que é perder um pedaço de nós que nunca se deixou florir, navegando por vezes sobre o engano de que não se sente falta do que não se conhece.
Por outro lado, existe sempre aquele número que não foi feito para agradar às maiorias e ao qual a sociedade muitas vezes se esquece de olhar. As pessoas são pessoas, não são números. E ainda que um aborto seja um dano para a maior parte das vidas, há sempre aquelas, menos, que viram naquela a solução que lhes salvou a vida. Para essa minoria feminina, reconheço o direito de outra escolha, uma opção diferente da que me vejo escolher, porque os ideais de vida são feitos para quem a eles se ajusta. Mas... e aquele ser minúsculo? Aquele aglomerado de células, de pele, de vida? Nega-se-lhe uma escolha por ter o azar de não ser permitido que a idade o deixe manifestar-se? Tanta ética e tão pouca humanidade. Tanto egoísmo de ambos os lados.
Sinceramente, nem sei porque escrevo isto, não tenho por hábito escrever-vos sobre o que não é o meu amor. Mas este também pode considerar-se amor, um diferente, porque não tenho crianças, ainda tenho muito para aprender até chegar essa fase. Mas sabem que mais? Na faculdade tenho aprendido imenso sobre crianças, e muito mesmo sobre as que são diferentes. Tenho aprendido outros olhares de vida e a ver tanto das crianças em muito de mim. De todos nós, aliás! E a cada vez que observo uma criança, mesmo tendo noção das batalhas que a levaram até ali, penso em como será deixar que um daqueles projectos de vida se perca na escolha de um pai ou de uma mãe, de como será que se encontra coragem para não querer uma coisa tão pura como um daqueles seres. Como se rejeita uma parte de nós como esta? E bem sei que há casos em que a criança poderá padecer de males que não merece, e ai de nós vê-la sofrer! Mas também reconheço que não se consegue dar carinho a uma coisa que não se ama. E aí, de que valerá tê-la?
Não sei, sou um bebé e não sei nada da vida. Entendo não poder arbitrar vidas alheias, muito menos se não lhes conhecer as histórias. Mas ainda assim, dói-me. Um dia destes resolvo-me acerca desta dúvida que tenho.
No livro que presentemente me encontro a ler, surgiu num ramo da história esta mesma questão que me levou a apetecer escrever-vos. Em parte, aborda o que referi. Aqui vo-la deixo:

"A minha bebé teria hoje dois anos, seis meses e quatro dias de idade - disse ela. - Ela tinha um problema, um problema genético. Se tivesse sobrevivido seria deficiente mental profunda. Como um bebé de seis meses, para sempre - respirou fundo. - Foi a minha mãe que me convenceu. Disse-me: "Annie, mal consegues tomar conta de ti própria. Como vais tomar conta de um bebé assim? És jovem. Vais ter outro.
" Por isso cedi e o médico fez o aborto às vinte e duas semanas - Annie desviou o rosto, de olhos brilhantes. - Mas o que ninguém nos diz - continuou ela - é que quando damos à luz um feto, recebemos uma certidão de óbito, mas não recebemos uma certidão de nascimento. E depois surge o leite e não podemos fazer nada para impedi-lo - olhou para mim. - Não é possível ganhar. Ou temos o bebé e envergamos o nosso sofrimento exteriormente, ou não temos o bebé e mantemo-lo dentro de nós para sempre. Sei que o que fiz não foi errado. Mas também não me parece que tenha sido certo.
Apercebi-me que há legiões de mulheres como nós. As mães de bebés dilacerados, que passam o resto da vida a pensar se não deviam tê-los poupado. E as mães que abdicaram dos seus bebés que olham para os nossos filhos e vêem os rostos daqueles que nunca chegaram a conhecer.
- Eles deixaram-me escolher - disse Annie - e, mesmo hoje, quem me dera que não o tivessem feito."

JODI PICOULT
, in "Frágil"

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Morto sem morte

"Só estando mortos assistimos, e nem disso podemos estar certos, morto sou eu (...) e contudo não me sinto como se apenas assistisse (...) o pior, porque é irremediável definitivamente, é o gesto que não fiz, a palavra que não disse (...) Não há sossego no mundo, nem para os mortos nem para os vivos (...) os vivos ainda têm tempo para dizerem a palavra, para fazerem o gesto (...) morre-se de a não ter dito, morre-se de o não ter feito, é disso que se morre, não de doença."

JOSÉ SARAMAGO, in "O Ano da Morte de Ricardo Reis"

"A Codificação do Tempo"

A perceção do fluir dos acontecimentos, os nossos, os dos outros e do próprio mundo, faz-se ancorada no conceito de tempo.
Para quase todos nós, a temporalidade é como que uma linha invisível que tem uma orientação definida.

Curiosamente, a orientação dessa linha, que congrega a sagrada trilogia do passado-presente-futuro, é diferente de pessoa para pessoa.
Se o presente costuma ser o eixo central a partir do qual tudo o resto se organiza, o passado e o futuro são sentidos como ocupando topografias diferentes.

Para uns, o passado é o que está para trás e o futuro o que está para a frente, como se a tal linha imaginária fosse uma espécie de estrada em que se caminha.
Para outros, o passado e o futuro têm uma configuração bem diferente e são "vistos" como limites laterais, algo idêntico a pratos de uma balança sempre em equilíbrio instável.

Estas diferentes formas de codificar mentalmente a temporalidade, para lá de uma curiosidade, são, também, uma forma de nos apercebermos por que é que alguns de nós parecem lidar com facilidade com o que aconteceu e com o que virá a acontecer, ao passo que outros exibem permanentemente uma mistura de recordações e emoções antigas, por vezes à mistura com projeções de um futuro eivado do que foi.

Qualquer destes sistemas, que não escolhemos, mas que se estabeleceram em nós como parte integrante da nossa forma de ver o mundo, tem vantagens e inconvenientes.

Pôr tudo para trás das costas, se tem o benefício de não ter de se acartar vida fora situações desagradáveis, também significa não se valorizar devidamente experiências e aprendizagens que poderiam ser úteis.

Manter passado, presente e futuro ao mesmo nível, por seu turno, se permite uma imensa largueza de emoções, também é verdade que dificulta a escolha mais conveniente e adaptada ao momento atual.

Em qualquer caso, seja qual for a perceção que tenhamos, que, convém que se diga, pode, com trabalho e esforço, ser alterada, vale a pena reforçar a ideia de que as nossas perceções sobre a realidade não são, nunca são, a realidade.


ISABEL LEAL, Crónica "A Codificação do Tempo"

sábado, 17 de julho de 2010

A intensidade do par do desencontro

Li uma vez que só nos lembramos das coisas que esquecemos. Nunca concluiria isso sozinha e a partir dessas palavras dei-me conta que a ideia de ti não me chega nem parte, é permanente no tempo que me ocupa. Tempo. Minto com todas as cinco letras dessa palavra quando o digo exclusivamente, porque tens a ousadia de ocupar mais do que isso em mim. Ocupas espaço, tanto espaço que não sei se existe mais de ti ou de mim nesta carapaça.
Chama-me pelo teu nome. Chama-me e verás que reajo como se me chamassem pelo meu. Onde me marcaste tanto? Parece que são mesmo mais marcantes as pegadas que se deixam na alma. Serei só amor? Um véu tão simples, profundo em transparência? Que marcos separam a fronteira do que é pessoa e do que é sentimento? Não entendo, tão depressa me estou a ver a mim, encantada com passos (re)pensados, como depressa me misturo com uma coisa que não tem nome e deixo de me saber localizar, absorta num sentimento que me ocupa na totalidade.
É por não darmos um nome ao que somos que isto se torna grande? Brutal, desacreditado aos olhos dos outros? Ou não lhe damos um nome porque, sem intenção, não temos a coragem de definir um futuro para nós definitivo? Temos medo?
Já falo por ti e por mim. Foi como referi, às tantas linhas já deixo de ser eu e perco-me nos contornos. Mas não será isto realmente o receio de termos que assumir uma fraqueza de quem nunca foi ensinado a desperdiçar o que o faz feliz, mas que ainda assim o aprendeu sabe-se lá por que meios? Como é que chegámos aqui?
Sempre tive a esperança que em vez de Roma, todos os caminhos fossem dar ao amor. Não me façam caso, por alguma razão dizem que a experiência dos experimentados em matéria de idade e de vida é maior que a dos loucos apaixonados.
Às vezes, tantas vezes, perdemos ambos o norte. E durante a noite agarramo-nos ao que nunca vai mudar, presos a uma escolha que erroneamente apelidas de «melhor».
Tinhas razão ao dizer que o quanto gostavas, bastava dizeres-mo poucas vezes. Eu sentia-o, não precisava que gastasses as palavras mais sinceras porque é assim que os outros as tornam banais, com o sentido fugido para uma rotina condenada. Mas as repetições de que os passos que damos são o mais benéfico? Em que mundo vives? No mesmo em que confessámos a nossa felicidade ou a falta dela? Ocupo tempo a perguntar-me se as coisas que mais se repetem são aquelas de que ainda precisas de te convencer. Imagino-te, a cada vez que mo dizes, a proferires para ti vezes sem conta três das palavras que há horas me disseste, como quem estuda um livro maçador e precisa de repetir o texto mais vezes do que seria realmente necessário para que as palavras comecem a fazer sentido na cabeça. Um processo de mecanização, portanto. Será isso? Será que a solução para te desligares passa por um automatismo que se desencadeia em ti sempre que pensas em mim? Pois recordo-me de no início lutares contra o que querias. Agora não sei sequer a favor de que batalhas te levantas.
Onde está o sentido deste par de desencontrados, que a nada nomeia, que tudo não compreende? É tudo diferente mas tão intenso que nem se sabe explicar.
Continuo a dizer que prefiro fingir que esta é a única forma que vamos encontrando de viver um amor que vai durar para sempre. Prefiro acreditar que estamos nas palavras que não são ditas, nas noites que pertencem a dias que não são nossos e em tudo o que deixámos por fazer. Precisei, para bem da minha senilidade, de inventar esse sentido para me apaziguar com o que não entendo. Por que de outra forma: o que é que essa história ainda significa?
Peço-te que não contraries a maior certeza que tenho na vida. São palavras que desperdiças, ignorantes como aqueles que nunca amaram. Como é que uma mentira dessas te sai tão facilmente dos lábios que deixei?
O que há em nós que não nos deixa partir por completo e muito mais nos obriga a ser incompletos com o lugar do lado preenchido? Que prioridades passámos a estabelecer no clarear do futuro?
Mesmo avistando o norte, não há barco que pare para o fazer regressar. Avisto-o como um futuro no reflexo do passado, escondido atrás de nuvens altas que o céu não escolheu deixar ficar.
Os dias esvaziam-me, ainda não reparaste? E a ti? Escreve-me sobre ti. Não tem que ser sobre o que não te peço, mas do que me falta conhecer daquilo que és agora. Sei-te de noite, mas não sei nada de ti à luz do dia. Ou conta-me tudo nas horas em que tens impedido que a tua voz se ouça por motivos em que foste levado ao engano. Apetece-me a mim ouvir-te agora, mas este teu dia tem mais para te oferecer do que a voz que já conheces. Não te quero fazer perder mais nada, nem mesmo, e a custo, a próxima hipótese que tiveres de ser feliz acompanhado. Parabéns (a tudo o que já conseguiste).

This is fire with fire, not love with another love

A música Fire With Fire, o primeiro single do álbum Night Work, o terceiro dos Scissor Sisters, foi descrito por alguém como "um conto épico de batalhas perdidas e vencidas, vitória arrebatada das mandíbulas da derrota." Jake, o vocalista da banda diz que “Ela fala sobre os horrores que se arrastam pra dentro da tua mente quando o tempo avança e as coisas parecem mais distantes, e os minutos vão passando e as coisas ficam cada vez piores”. Jake acrescenta ainda que a música “É uma rebelião contra esse comboio de pensamento auto-destrutivo. Eu sei se uma música é realmente boa quando eu derramo uma lágrima ao ouvi-la, e depois ela te faz chorar algumas vezes. É constrangedor. É vitoriosa, é uma canção para todos, não é subtil de nenhuma maneira e eu adoro isso”.

A música é de facto tudo isso. Quanto a mim, pouco mais tenho a dizer. É uma letra a brotar de significado, de sede de regresso a uma mente e amor apaziguados. Adoro-a!




You can see that you’re being surrounded every direction,
Love was just something you found to add to your collection,
It used to seem we were number one, but now it sounds so far away,
I had a dream we were running from some blazing arrows yesterday,

You said fight fire with fire, fire with fire, fire with fire
Through desire, desi- sire, desi-, through your desire

Now the city blocks out the sun that you know is rising,
You can show me the work that you’ve done, your fears have been disguising,
Is it just me or is everyone, hiding out between the lights,
Where will we be when we come undone? Just a simple meeting of the minds

Singing we’ll fight fire with fire, fire with fire, fire with fire
Through desire, desi- sire, desi-, through your desire
We’ll fight fire with fire, fire with fire, fire with fire
Your desire, desi- sire, desi-, through your desire

And while in your stars
There’s a million else burning brightly just like fire fight,

It’s cold and heaven surround you every direction,
Cause there’s someone behind every hand that you’ve made a connection
And now we’re free to be number one, morning isn’t far away,
I had a dream we were holding on, and tomorrow as we come today, we come today

And we’ll fight with fire, fire with fire, fire with fire
Through desire, desi- sire, desi-, through your desire
We’ll fight fire with fire, fire with fire, fire with fire
Your desire, desi- sire, desi-, through your desire
Johanna drove slowly
Into the city
The Hudson River
All filled with snow
She spied the ring
On His Honor's finger
Oh-oh-oh

A thousand years
In one piece of silver
She took it from
His lilywhite hand
Showed no fear
She'd seen the thing
In the Young Men's Wing
At Sloan-Kettering

Chorus:

Look outside
At the raincoats coming, say oh

His Honor drove
Southward seeking exotica
Down to the Pueblo
Huts of New Mexico
Cut his teeth
On turquoise harmonicas
Oh-oh-oh

I saw Johanna
Down in the subway
She took an apartment
In Washington Heights
Half of the ring
Lies here with me
But the other half's
At the bottom of the sea


A-Punk,
VAMPIRE WEEKEND

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Abraça-me! Abraças?

- "Abraça-me!",

pediu-me uma das minhas princesas ontem quando fomos dormir. É tão genuína esta vontade de uma criança, tão sincera...

Quando deixámos de poder pedir este tipo de coisas a quem queremos, sem intenções? Quando deixaram os abraços de ser uma pura sensação de conforto, de protecção?

Apeteceu-me pedir-lhe um a ela, mesmo que os seus curtos braços não chegassem para me envolver. Não lhe quis colocar tanta responsabilidade num gesto que deve ser desprovido de racionalidade. Um abraço é um abraço. Um abraço é de amor, não deve ter pena no meio.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Do lado direito

(...) Lembro-me de há muitos anos estar deitado no chão, no campo (todos nós devíamos ter nascido e vivido no campo), com o céu por cima, azul, com vagarosas nuvens. De costas era a posição, e é a posição para quem quer sujeitar-se à experiência. É importante que haja silêncio. (Um leve fundo de cigarras, folhagens e piar de aves não perturba. Havia tudo isto no momento de que falo.) Eu estava deitado de costas e tinha o céu por cima. E bruscamente o céu tornou-se qualquer coisa onde se podia cair. Não era a força da gravidade que me mantinha colado à terra, mas a minha vontade. Com as mãos espalmadas no chão, enterrava os dedos na erva macia - enquanto o céu se tornava cada vez mais fundo e azul, e as nuvens mais vagarosas, até tudo se suspender num minuto de terror absoluto e de fascinação. Eu ia cair no céu infinitamente. Animal deste planeta, sem asas que me levassem sequer à nuvem mais baixa, sentei-me de rompante, rolei de bruços, de rosto contra a terra húmida. Só por isso é que não fui o primeiro cosmonauta da história.
Foi uma pequena emoção num mundo já então abundante de emoções. Ora, há dias aconteceu-me outra vez estar prestes a cair no céu.
Era também azul, e havia nuvens. Não faltavam as cigarras, nem os pássaros. O tempo passado anulou-se de súbito, o homem achou-se criança - e o céu renovou as suas tentações. Que foi que não fiz?, pergunto agora então. Que coisas me foram prometidas e negadas, ou dadas e perdidas? Que vem fazer aqui este belo demónio azul, esta vertigem esta tentação de renúncia, ou apenas a rápida consciência de uma dimensão poética que o mundo não aguenta, ou não aguento eu vivendo nele?
Deixei-me ficar a ver o céu. Bem sabia que não ia cair para cima. O tempo reconstituiu o que desfizera: achei-me quem sou e no mundo em que vivo. Vagamente inquieto, vagamente perplexo, primeiro, mas logo, enquanto enxugava uma gota de suor que me escorregava ao longo do pescoço, recobrei a lembrança da frase que me esquecera: «Não sei o que cá faço, e é importante que o saiba. Mas mais importante é fazer». E para o meu lado direito me voltei, como quem se reconhece e entrega.

JOSÉ SARAMAGO, "Cair no Céu", in Deste Mundo e do Outro (1971)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

from Cinema Paradiso

Alfredo: Once upon a time, a king gave a feast. And there came the most beautiful princesses of the realm. Now, a soldier, who was standing guard, saw the king's daughter go by. She was the most beautiful one, and he immediately fell in love with her. But what could a poor soldier do when it came to the daughter of the king? Well, finally, one day, he managed to meet her, and he told her that he could no longer live without her. The princess was so impressed by his strong feelings that she said to the soldier: "If you can wait 100 days and 100 nights under my balcony, then at the end of it, I shall be yours." Damn! The soldier immediately went there and waited one day. And two days. And ten. And then twenty. And every evening, the princess looked out of her window, but he never moved. During rain, during wind, during snow, he was always there. The bird shat on his head, and the bees stung him, but he didn't budge. After ninety nights, he had become all dried up, all white, and the tears streamed from his eyes. He couldn't hold them back. He no longer had the strength to sleep. All that time, the princess watched him. And on the 99th night, the soldier stood up, took his chair, and went away.

Savatore: [later in the film, Toto gives Alfredo his interpretation] ... In one more night, the princess would have been his. But she also could not possibly have kept her promise. And it would have been terrible. He would have died. This way, however, at least for 99 days, he was living under the illusion that she was there, waiting for him.

Citações de CINEMA PARADISO

terça-feira, 13 de julho de 2010

If I have forgotten?

If I have forgotten how to love myself?

No, I swear I haven't!




I can't let you be
Cause your beauty won't allow me
Wrapped in white sheets
Like an angel from a bedtime story
Shut out what they say
Cause your friends are fucked up anyway
And when they come around
Somehow they feel up and you feel down
When we were kids
We hated things our parents did
We listened low
To casey kasem's radio show
That's when friends were nice
To think of them just makes you feel nice
The smell of grass in spring
And october leaves cover everything
Have you forgotten how to love yourself?
I can't believe all the good things that you do for me
Sat back in a chair
Like a princess from a faraway place
Nobody's nice
When you're older your heart turns to ice
And shut out what they say
They're too dumb to mean it anyway
When we were kids
We hated things our sisters did
Backyard summer pools
And christmases were beautiful
And the sentiment
Of coloured mirrored ornaments
And the open drapes
Look out on frozen farmhouse landscapes
Have you forgotten how to love yourself?



RED HOUSE PAINTERS - Have You Forgotten

domingo, 11 de julho de 2010

Requiem for a dream

They held each other
And kissed

And pushed each others'
Darkness into the corner,

Believing in each others' light,
Each others' dream

HUBERT SELBY, Jr

Fazes fazes e fazes!

Fazes-me bem ponto de exclamação

sábado, 10 de julho de 2010

Embala-me em conforto. Encosta-me a ti. Cala-te, cala-me e agarra-me com força enquanto eu liberto todo o ar irrespirável que se prendeu nesta mansarda de corpo. Hoje estou um veneno, maligna para mim própria.
Entorpeci. Estou pequenina de tamanho, de vontade e de tudo. Agarra-me com força, cheio de força! Vou-te cravar as unhas, ferir a pele e marcar-te. Desculpa. Segura-me agora, marca-me também se não te controlares. Deixa-me explodir nos teus braços se acreditas mesmo que o chão abaixo de nós nunca vai ruir.
Por favor, não me faças olhar-te nos olhos se cerrar os maxilares e o queixo me tremer. Ou obriga-me, secalhar é o que me faz falta. Não sei. Não sei! N-ã-o s-e-i. NÃO SEI. Não sei não sei não sei não sei. Encosta-me a ti, a cabeça ao peito como se o nosso lindo barco se afundasse e precisássemos de ir ao fundo juntos. Como se morrêssemos por nos sentir. Isto é sobre mim, mas agarra-te(-me). Pega-me nem que precises de me transformar numa marioneta. Se for amor… O braço p’rá direita, esquerda, não! Roda a corda, traz o outro braço e cuidado que a perna está a torcer. Traz-me mesmo que esperneie, que não reaja, que me acabe. Vá, pela mão. Mais um toque e as minhas garras vão-te dominar, vou ferrar-tas desesperadamente, esbofetear-te, pontapear-te, desfazer-te… sei lá.
Não quero dizer uma palavra. Não abro a boca nem esboço a porcaria de um sorriso. Nada. Prefiro encontrar-me com a parede e deslizar poeticamente, ferozmente, seja que de maneira for. Deslizar é com a tinta solta que cai e com os pedaços de pedras que já foram. Deixa-me cair agora, sentada, as pernas estendidas, o ar de um morto, «eu» a fugir-me. Fujo-me a sete pés. Saio pelo líquido que escorre das dobras, evaporo-me pelos poros, corro nos olhos. Olha para isto! Que rebelde, mesquinho, oh «eu» provocador e provocado.
Onde param as conquistas? As metas? Só daquelas em que o tronco toca a fita e parece ser catapultado para o início da corrida.
Ainda estás de pé? Não me levantaste? Não me levantas? O que te disse? Agarra-me. Eu disse uma palavra e repeti-a: a-g-a-r-r-a-m-e.
Chega. Vou desfigurar o chão, rachá-lo em fendas nem que me custe dias. Porque não me ouviste? Foi simplesmente: agarra-me.
Assustei-te? E eu que tenho vozes e almas e pessoas e demónios na cabeça? Eu levo as mãos à cabeça! Eu salto, agito a saia, penduro-me ao cabelo. Esfrego os olhos, espalmo a cara e… perdi o corpo?
Pega-me ao colo. Fica comigo. Resolve-me.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Do nosso encontro no desbravar da noite.

Tenho uma dor na garganta. Estou a engolir tudo, estou a secar as fontes de lubrificação lacrimal para impedir um episódio que há muito não permito. Seco a pele a cada momento que as fontes tremem.
Já perdi a conta aos tons de azul que apontei no céu. Por esta hora o verde começa a batalhar por aparecer lá em baixo, estou a espreitá-lo desde há pouco! Na cidade onde aprendi a passar a maior parte dos meus dias tenho o mar, o rio, a vista deliciosa sobre o Tejo quando acordo. Aqui tenho uma janela grande que dá para a lua e as estrelas. Amo a noite, estou apaixonada! Tornar-me-ia noctívaga se ela prometesse ser minha guardadora de sonhos. De certa forma já conquistou o posto, é às confidentes que se reconhece tal qualidade. Quantas vezes não cantei para a lua em ensaios de letras para ninguém? Trauteei igualmente diálogos de películas que filmo na cabeça com o modelo mais grandioso de imaginação e às duas por três lá me descuido(continuo a descuidar) e perco a postura porque a pérola da noite cora com as minhas palavras e então floresce em lua cheia.
Ainda hoje a lua me ouve, sempre muda. É melhor ouvinte do que companhia para conversas. É impressionante, nunca deu sinais de querer segredar-me uma paixão que fosse! Divagando sobre os contornos da sua atitude encontro nela a vontade de quem me quer ver crescer, a alargar perspectivas, tonificar possibilidades, a alimentar verdades. A maravilha segue-me do alto, atenta, e conhece de cor os trajes deste corpo que irá dormir, descombinados com o ar de quem está a (re)nascer.
O preço deste prazer de me sentar encostada ao seu silêncio com o caderno nas pernas e a alma nos braços é incalculável. Tenho pena de não conhecer palavras que lhe façam justiça. É um luxo. Mais, uma necessidade. Uma hipótese de ar quando deixo de saber respirar. É a perfeição antes dos corações se deitarem, quando as horas tardam, depois de frases descalças terem apanhado a sola.
Como ainda estou desperta! Nada me adormece e o cérebro não descansa, tão irrigado que está de horas vividas e por saborear.
Como te disse à pouco, digo-lhe que parece ter sido à cinco minutos e não ao tempo que foi. Em segundos transporto-me para as mesmas folhas que tinha a cobrir a mesa, o calor insuportável e a mensagem que tinha em mãos. Estou a observar-me. (E a ti.) Estou no canto da sala, à entrada, a ver-me de costas. Descaída, aposto que apática, imóvel. Incrédula. As mãos tremiam. A capacidade de conduzir o corpo pela vontade sumiu-se. O olhos passaram pelas palavras uma, duas, várias vezes, vezes demais e contudo insuficientes para assimilar a sensatez daquele pedaço de ódio. A alma ia ardendo, desfazia-se lenta e dolorosamente, enquanto o corpo ia perdendo sentidos. (Tu estás assoberbado na tua dor própria, abafado num ninho de raiva, no teu plano mal concebido. Estás louco. Estás certo, concluí uma vez para sempre desacompanhada.)
Como que a acordar de um sono perturbado, acordei eu e o corpo e a mente, os três sobressaltados. Coordenados numa revolta sem precedentes armámos uma guerra cruel, assente em princípios de respeito e leis da perenidade.
A ti dei-te a resposta esta noite. Essa e mais umas mil, reconto. E enquanto pensas cautelosamente as tuas respostas, eu admiro as estrelas. Estão encantadoras hoje! Sei que medes as palavras, agora sim. Tens a medida certa, um instrumento de mensuração que compraste com o tempo. Raramente te descuidas, mas muitas vezes adivinho quando te vais envolver em perguntas descontroladas. Não há mistério, não se despeja aqui ciência e muito menos se respira metafísica! Só vejo o que conheço.
“- Sabes que podes dizer o que quiseres”
Não te peço mais. Aliás, nunca mais to voltei a pedir.
Agora que me desliguei saí da janela e sentei-me sobre os lençóis, perdida de vista pelas estrelas. Não largo o mundo lá fora, aquele pedaço de rotina natural, belíssima, que nunca cessa. A janela continua aberta. Estou à espera que o espreitar do sol me entre pelo quarto adentro.
Não te desperdiço com palavras. As senhoras palavras, mesmo que mascaradas de sentido e mal pregadas na linha, são a minha arte. És quase como a noite sem que sejas tanto. Vês-me com o olhar dela, conheces-me desde a ponta do dedo do pé até ao pensamento que melhor se atraca à margem dos demais mortais. Sabes a resposta a todas as perguntas que me fazes, não sabes? Escondes que sim.
Estamos a alongar-nos, é quase de dia e não é esta a nossa hora. O nosso novo nós, esse sim é noctívago. Existimos na minha noite. Passaram a ser sempre à luz do escuro as nossas horas mais claras. Oh, já se faz tarde! Aqui deitada perdi a lua, desencontrou-se do meu ângulo. Quererá dizer que está realmente na nossa hora, que o dia chega para nos dividirmos em quase desconhecidos (e com outros desconhecidos).
Espera. Estou a pensar no balão. Talvez não fosse má ideia se lhe déssemos asas. Acaso o tivéssemos libertado agora, a altura teria sido boa porque corre lá fora uma brisa que arrefece o calor. O nosso balão podia voar em paz e em segredo, a esta hora ninguém quer saber de coisas perdidas.
Esse ar fresco acabou de me abraçar! Aceito o convite de boa vontade, largo a caneta e descanso o corpo sobre o leve tecido branco. Ai como sabe bem este choque do inevitável com o improvável. O corpo ressente-se, desabituado que está a estas surpresas.
Já ouço o cantar dos pássaros e as árvores a abrir as folhas. Está tudo a levantar-se lá fora e o céu começa a perder a cor. Perdemos as horas!
Vou fechar a porta à noite. Fechemos os olhos. À claridade completa do dia será hora de esquecer.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Who can say where they're blowing? Hopefully learning

I could feel at the time
There was no way of knowing
Fallen leaves in the night
Who can say where they're blowing
As free as the wind
And hopefully learning
Why the sea on the tide
Has no way of turning

More than this - there is nothing
More than this - tell me one thing
More than this - there is nothing

It was fun for a while
There was no way of knowing
Like a dream in the night
Who can say where we're going
No care in the world
Maybe I'm learning
Why the sea on the tide
Has no way of turning

More than this - there is nothing
More than this - tell me one thing
More than this - there is nothing

More Than This,
BRYAN FERRY

Lost in Translation

Bob: I don't want to leave.
Charlotte: So don't. Stay here with me. We'll start a jazz band.
I'm a surviver.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

And then the past recedes
And i won't be involved
The effort to be free
Seems pointless from above
You're looking down at me
I'd rather stay below
Than have you staring up at me
Is nowhere I want to go
Ay, this business of how long we try to stay alive
Why to be here you've first got to die
So i gave it a try
And what do you know
Time was so long ago
And things come back you see
To where they don't belong
And every drop of sea is the whole ocean
I lied to the greatest thieves
About anything and everything
I'm a figure of forgotten speech
I'm out of reach
I can't play it safe
But i might just in case
I'm disguised as a reaching hand
I'm working man
I don't understand why clockout
Comes so slow every thome
That's one line i stay right behind

The Past Recedes ,
Joh Frusciante

domingo, 4 de julho de 2010

You don't throw your life away
Going inside
You get to know who's watching you
And who besides you resides
In your body
Where you're slow
Where you go doesn't matter
Cuz there will come a time
When time goes out the window
And you'll learn to drive out of focus
I'm you and if anything unfolds
it's supposed to
You don't throw your time away sitting still
I'm in a chain of memories
It's my will
And I had to consult some figures of my past
And I know someone after me
Will go right back
I'm not telling a view
I've got this night to unglue
I moved this fight away
By doing things there's no reason to do


Going Inside,
JOHN FRUSCIANTE


She was standing there by the broken tree
Her hands were all twisted she was pointing at me
I was damned by the light coming out of her eyes
She spoke with a voice that disrupted the sky
She said ' Come on over to the bitter shade,
I will wrap you in my arms
and you'll know you've been saved'
Let me sign, let me sign,
can't fight the devil so just let me sign.

I was out for a drink in a soho bar
The air was smoked out liked a cheap cigar
She rose out of her seat like a painted ghost
She was the woman that I wanted the most
As she reached for my arm I gave her my hand
I said 'Lay me down easy let me understand'
Let me sign, let me sign,
can't fight the devil so just let me sign.

As I walked through the door
she was still in my head
As I entered the room she was laid there in bed
She reached out for me all twisted in black
I was on my way down, never coming back
let me sign, let me sign,
can't fight the devil so just let me sign.
let me sign, let me sign,
can't fight the devil so just let me sign.

Let Me Sign,
escrito por MARCUS FOSTER e BOBBY LONG



Robert Pattinson (com letra modificada pelos compositores)

Damn

Brothers? Gone.
Friends? Almost gone.

Silence and words will fill my next few days. Damn.

sábado, 3 de julho de 2010

Avançamos vida fora experimentando os mais diversos sentimentos e emoções. [...]
Da maioria dos dias não guardamos memórias. Passam como se não tivessem acontecido, idênticos a tantos outros em que cumprimos tarefas, desempenhamos papéis, mantemos conversas, damos beijos e sorrisos distraídos e nos sentimos automáticos e automatizados, como se a capacidade de ser, pensar e sentir não fosse precisa ou nos tivesse abandonado.

Destes dias, algo pardacentos e com limites desbotados, alguns conseguem dizer que são agradáveis, pela previsibilidade e controlo que sentem, e muitos outros referem, sobretudo, uma sensação de monotonia e enfado.
Mas bons, maus ou assim-assim, os dias que passam parece que evoluem em climas emocionais de fundo que costumam ter mais importância do que os próprios dias.

Em algumas fases da vida parece que os dias decorrem sobre o signo de uma expectativa positiva, de uma quase esperança, que nos faz querer correr no tempo, nos ilumina os percursos e nos vitaliza como se fôssemos grandes consumidores de excitantes. Noutras, pelo contrário, arrastamo-nos, desmoralizados, como se, fizéssemos o que fizéssemos, tivéssemos de perseverar num caminho traçado e afunilado que nos leva, inevitavelmente, para um qualquer lado a que não queremos ir.

Quando nos perguntamos (ou alguém nos pergunta) por que é que estamos tão animados ou tão desanimados, por regra explicamos, com detalhe, sinais e sintomas de boas ou más coisas a eventualmente acontecer, como se dependêssemos absolutamente do que é exterior a nós para modular o nosso humor e os nossos estados de espírito. [...]

Usamos pouco e usamos mal aquilo que deveriam ser os nossos recursos íntimos para a vida de todos os dias, entre eles a capacidade de filtrar acontecimentos e escolhermos o que é importante e nos pode e deve afetar. Que é muito menos do que parece.


ISABEL LEAL, in crónica "Esperança e Desânimo"