quarta-feira, 30 de junho de 2010

"Later" to say goodbye

If Not Later, When?

“Later!” The word, the voice, the attitude.

I’d never heard anyone use “later” to say goodbye before. It sounded harsh, curt, and dismissive, spoken with the veiled indifference of people who may not care to see or hear from you again.

It is the first thing I remember about him, and I can hear it still today. Later!

I shut my eyes, say the word, and I’m back in Italy, so many years ago, walking down the tree-lined driveway, watching him step out of the cab, billowy blue shirt, wide-open collar, sunglasses, straw hat, skin everywhere. Suddenly he’s shaking my hand, handing me his backpack, removing his suitcase from the trunk of the cab, asking if my father is home.


ANDRE ACIMEN, in "Call Me By Your Name"

Mudamos...

«As pessoas não mudam até que a dor da mudança em nós se torne maior do que a mudança em si.»

JAMIE OLIVIER

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Breathe ME

Help, I have done it again
I have been here many times before
Hurt myself again today
And, the worst part is there's no-one else to blame

Be my friend
Hold me, wrap me up
Unfold me
I am small
I'm needy
Warm me up
And breathe me

Ouch I have lost myself again
Lost myself and I am nowhere to be found,
Yeah I think that I might break
I've lost myself again and I feel unsafe

Be my friend
Hold me, wrap me up
Unfold me
I am small
I'm needy
Warm me up
And breathe me

Breathe Me,
SIA

domingo, 27 de junho de 2010

sábado, 26 de junho de 2010

"But it might have started way later than I think without my noticing anything at all. You see someone, but you don’t really see him, he’s in the wings. Or you notice him, but nothing clicks, nothing “catches,” and before you’re even aware of a presence, or of something troubling you, the six weeks that were offered you have almost passed and he’s either already gone or just about to leave, and you’re basically scrambling to come to terms with something, which, unbeknownst to you, has been brewing for weeks under your very nose and bears all the symptoms of what you’re forced to call I want. How couldn’t I have known, you ask? I know desire when I see it—and yet, this time, it slipped by completely. I was going for the devious smile that would suddenly light up his face each time he’d read my mind, when all I really wanted was skin, just skin."

ANDRE ACIMEN, in "Call Me By Your Name"

Happy Everafter In Your Eyes

The morning sunrise spread her wings
While the moon hung in the sky
Held the sea in your hands
And happy everafter in your eyes

Couldn't leave you to go to heaven
I carry you in my smile
For the first time my true reflection i see
Happy everafter in your eyes

Every star in the night
Promises the dawn
I will be there if you fall
To ever so heavily rest upon

All that i can give you
Is forever yours to keep
Wake up every day with a dream
And happyever after in your eyes

Happy everafter is in your eyes

Happy Everafter In Your Eyes,
BEN HARPER

sexta-feira, 25 de junho de 2010

(ouro branco sobre) AZUL

O azul deixou-me. O que eu tinha era um azulão, o tom forte e intenso que corria numa roda viva sobre o presente. Vi-o resistir, pigmento a pigmento, a uma mistura entre cores que sobre a paleta se abateu. Os movimentos circulares eram repetidos e vigorosos, levados ao extremo. A força era humana e a raiva animal num encontro feroz que se pintava ora em amarelo, ora laranja, vermelho por adição, vermelho por imposição. O vermelhão soltou-se, cresceu sobre o laranja, ateou um fogo, ardeu na forma de labaredas altas, altas temperaturas. Ai pai, ai mãe, ai gente! Ai dor, ai azul ausente! A carne a sangrar, a pele a pelar, o sangue a pintar. O cheiro a entranhas assadas, as cinzas carnudas, os restos espalhados. A lua cheia, as flores a secar, a terra a tremer, o castanho a chegar. O fumo a adensar-se no ar, a entalar-se nas nossas fossas, nos buracos da terra. A fogueira foi acesa e a carnificina deu-se. Devagar, devagarinho, aos gritos, nos cantos, com calma, nas extremidades, aos berros, contida, desgostosa, desiludida, depressa, a correr, a derreter, a espalhar chamas, a gritar, a calar, a chamar. Até a apregoar. O adeus chegou. Oh maleita da dor obrigas a verter lágrimas, a saltar muros, a partir a cabeça. Vociferas ao coração como uma fera brada ao ouvido da presa. És enganosa, és mentirosa, mas contudo real. Ai como mentes. Se ao menos, se ao menos… Se ao menos expulsasses o sentir, se esvaziasses, se deixasses o céu. Deixa de ser sol, acaba com os raios que com raios me iluminas. Só não me peças para ser lua.

Já pediste. Já conseguiste. Crescente na noite povoaste o escuro, enunciaste ouro branco sobre o azul. Ai azul que tardas. Porque te perdeste na tarde? Estás debaixo do manto branco da lua, aprisionado. Desce daí. Ouviste-me? Desce daí! Que ordens te esqueces de seguir? Vá, desce daí que o meu coração está a apagar-se. Deixa esse branco, desprende-te. A tranquilidade não mora aí, olha a ilusão a que subiste. Azul, vem até aqui. Foge, corre, não lhe dês mais a mão nem o dedo. Dá corda às pernas, acelera os pés e ensina-lhes o que é a velocidade. Anda azul, pinta-me a mim e ilumina-me tu do que é tranquilo. Não o deixes levar-te. Senta-te, encosta-te a mim, eu dou-te a mão e impeço-te de fugir.

Outro selo!


Tenho que agradecer à Joana Macedo por me ter oferecido este selo. Conhecemo-nos à bem pouco tempo, mas parece que estamos na vida uma da outra há anos!


As regras são responder à pergunta: "Tens alguém que dê cor à tua vida? E Porquê?"

Tenho aquelas pessoas a quem me agarro com todas as forças e que sabem de que cores preciso. Tenho outras que regressaram à minha vida sem que eu esperasse que voltassem e essas dão-lhe outro colorido! Também me tenho a mim, ainda que com uns pedaços fora do lugar, mas tenho-me. E quando sou eu, sozinha, que consigo colorir os dias cinzentos, então o reconforto é de um dia promissor!
Tenho quem me dê todas as cores da vida, excepto uma. Ninguém me consegue passar um pincel azul... Alguém que me traga o azul. Por favor.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Writing? That's heaven!

I hear people talking about going on a vacation or something and I think, what is that about? I have no desire to go on a trip. My perfect day is sitting in a room with some blank paper. That's heaven. That's gold and anything else is just a waste of time.

Cormac McCarthy

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A suicide note

Maravilhosa esta carta escrita ao seu amor, Leonard, antes de se suicidar:

Dearest,

I feel certain that I am going mad again. I feel we can't go through another of those terrible times. And I shan't recover this time. I begin to hear voices, and I can't concentrate. So I am doing what seems the best thing to do. You have given me the greatest possible happiness. You have been in every way all that anyone could be. I don't think two people could have been happier 'til this terrible disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling your life, that without me you could work. And you will I know. You see I can't even write this properly. I can't read. What I want to say is I owe all the happiness of my life to you. You have been entirely patient with me and incredibly good. I want to say that — everybody knows it. If anybody could have saved me it would have been you. Everything has gone from me but the certainty of your goodness. I can't go on spoiling your life any longer.
I don't think two people could have been happier than we have been.

VIRGINIA WOOLF

terça-feira, 22 de junho de 2010

Às vezes sim, às vezes não

«Quando amamos alguém, não perdemos só a cabeça, perdemos também o nosso coração. Ele salta para fora do peito e depois, quando volta, já não é o mesmo, é outro, com cicatrizes novas. Às vezes volta maior, se o amor foi feliz, outras, regressa feito numa bola da de trapos, é preciso reconstruí-lo com paciência, dedicação e muito amor-próprio. E outras vezes não volta. Fica do outro lado da vida, na vida de quem não quis ficar do nosso lado.»

MARGARIDA REBELO PINTO, in "O Dia em que te esqueci"

domingo, 20 de junho de 2010

Um dia cometi o crime de recortar um poema. Nesse dia, senti-me culpada por não poder ler aos que me ouviam os versos completos que o poeta escreveu.
Para me desculpar dessa maldade, deixo-vos esse mesmo poema, um dos que mais gosto em toda a literatura portuguesa. Como são todos estes versos repletos de significado!
Que me seja o crime perdoado!


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


ÁLVARO DE CAMPOS, Tabacaria

sexta-feira, 18 de junho de 2010

«Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de que...m morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso.»

José Saramago

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Arte da espera

"Existem artes insuspeitas.
Para lá dos cânones, para lá do que se formalizou designar por arte, encontra-se formas de ser e fazer inesperadas que, pela raridade, pela qualidade única, mas ainda assim reconhecível, nos fazem perceber que abandonámos os terrenos da trivialidade e, de repente, nos confrontamos com qualquer coisa que empolga os sentidos, emociona, e nos remete para uma dimensão estética.
Às vezes, escapando ao que sabemos sobre o belo, reparamos em olhares aflitos, tranquilos ou intensos, em movimentos de mãos que bailam no ar, em frases que ressoam e ficam a pairar depois de ditas, em formas de andar ou mover o corpo que contam histórias ou se insinuam em nós de forma inesperada.
Topei um destes dias com uma arte de que já ouvira falar. Uma arte que Hermann Hess refere, uma e outra vez, com a elegância que o distingue: a arte da espera. [...]"

ISABEL LEAL, in Crónica "Da arte da espera"

Too much love... Will it kill you?

...
Too much love will kill you
Just as sure as none at all
It'll drain the power that's in you
Make you plead and scream and crawl
And the pain will make you crazy
You're the victim of your crime
Too much love will kill you every time

Yeah too much love will kill you
It'll make your life a lie
Yes too much love will kill you
And you won't understand why
You'd give your life you'd sell your soul
But here it comes again
Too much love will kill you
In the end
In the end

Too Much Love Will Kill You,
QUEEN



Queen - Too Much Love Will Kill You

domingo, 13 de junho de 2010

(quase) Um círculo depois de uma ponte em chamas

Serpenteia. Presa por uma mão, faz dobras no ar, a correr pelos mesmos sítios que a pressão de ar comanda. Faz a mesma forma que os «S’s». Dá agora ares de uma linha curvilínea. Desenha um «A» sem querer. A realidade aterrou numa fita de cetim que não acredita no fado. Mas o fado escreveu-se nela pelo vento.
Cresceu um arco no céu. Uma sombra! Passou-lhe uma sombra preta de um preto muito muito escuro por baixo. Mesmo reconhecendo-a, Maria quis perguntar-lhe o nome.
- Fantasma – respondeu.
- Estava à tua espera.
- Porquê? Queres que te leve comigo?
- Conheces o caminho?
- Consigo chegar à encruzilhada, até aí não me perco, mas não sei qual o caminho que me leva à ponte.
- Voltaste e ainda não conheces a ponte?
A sombra não sabia com que palavras poderia responder e então calou-se perante a cobardia que lhe estava atravessada na garganta.
- Leva-me lá – pediu-lhe a Maria.
- E se estiver a arder?
- Então sabes. Sempre soubeste.
- Não te posso fazer andar por caminhos em chamas. Não lentamente.
- Mas eu deixei de saber correr.
- Não falo de velocidade, assim nesses termos. Não falo de distâncias e tempo, de quocientes que se calculam um por um e a todos. Não é um quociente igual a esses, fácil. Não são precisas descobrir incógnitas. Não é uma equação, mais depressa seria uma inequação. Não é matemática, só que implica lógica.
- Foste tu que criaste as labaredas?
- Que…
Ela interrompeu a sombra, atrasando a pressa que esperava na resposta.
- As primeiras? Foste tu?
- Eu…
Interrompe-a uma segunda vez:
- Não respondas.
Preferiu não conhecer a resposta, mas logo a seguir pensou que os minutos de conversa difícil pudessem ter mudado um rumo com o qual começava a mostrar sinais de se conformar, de curtos em curtos períodos. Talvez estivesse descrente em si. De qualquer forma, essa descrença nunca foi forte o suficiente para a fazer desligar-se de uma emoção que não crescia em iguais proporções por outros caminhos. Afinal nunca se conformou. A palavra é outra, mas não partilha laços com a conformação e a resignação. Ou as escalas dos sentimentos se tinham alterado e ninguém a avisou, ou então a verdade seria mesmo que todas as alternativas que lhe pareceram possíveis e que ela tomou depois do fim nunca a fizeram sentir que fosse o suficiente e ela vivia insatisfeita, a interrogar-se sobre o «quê?» que faltava em cada possibilidade. Anciosa, Maria preenche o silêncio que ela própria criou:
- A ponte, continua em chamas?
- Estás à espera de uma resposta que conheces.
- Não é de uma resposta que estou à espera.
Fintando sem dificuldades aquele jogo de palavras, a sombra responde-lhe:
- A ponte. Continua em chamas.
- Apagam-se?
- Controlam-se.
Maria deixou cair a fita que ainda segurava na mão direita. Primeiro fugiu-lhe de três dedos, depois ficou suspensa entre o polegar e o anelar. Enfim, escorregou. Para além de não encontrar o suficiente em alternativas falhadas, também não considerou a resposta da sombra suficientemente boa. Virou(-lhe) as costas e deu sete passos em frente. Cuidadosamente, pegou na bainha do vestido que lhe dava imediatamente acima dos joelhos e segurou-a firmemente enquanto se sentava. Esticou as pernas e em silêncio cruzou duas histórias. Fechou os olhos e deixou-se cair para trás, o corpo sobre a relva pautada de pequenas e simples flores selvagens que se iam tentando erguer sozinhas no seio do verde, mostrando serem maiores que a sua fragilidade aparente. O rio corria tranquilo à sua frente, a anular o rubor que se sentou nas suas redondas bochechas. Maria desejou que enquanto ali estivesse se escrevesse uma história em que pontes não fossem precisas. Fantasiou sobre corações reparados e círculos que moldam a perfeição.
Enquanto ela imaginava um amor que deixou de estar escrito, a sombra observava-a encantada. O cabelo parecia-lhe ter caído de forma incomparável sobre o chão, com os seus tons dourados a provocarem o sol. A beleza pendia-lhe da pele, tendo vindo a crescer desde o seu interior. O sorriso, mesmo alterado em intensidade, era de deixar qualquer alguém rendido. O vestido dava-lhe um ar romântico, uma ingenuidade que de falsa não tinha nem uma unha negra. As mãos, essas estavam soltas, prontas a serem pegadas por outras.
- Faz-me um desenho. – pediu-lhe a Maria.
No entanto, não obteve resposta. Não abriu os olhos, não se levantou e nem sequer deu sinais de se importar com o desprezo que lhe foi dado. Em vez disso, continuou a criar imagens na sua mente.
Silenciosamente, a sombra pegou na fita e fitou-a com um olhar de quem esperava que essa mesma fita lhe desse uma ideia de como aceder ao pedido que tinha sido feito.
- Eu gosto de estar aqui. – ouviu-se pela voz da Maria.
A sombra pegou numa pedra e atirou-a ao rio.
- Algum dia te disse como é bom estar aqui?
E ao mesmo tempo, a sombra respondia-lhe com um desenho. Sendo a resposta invisível aos olhos fechados da Maria, ela levou apenas o tempo necessário para ter a certeza do que queria dizer e depois prosseguiu:
- Contigo.
E engoliu em seco.
A sombra esforçava-se por desenhar. Amachucava a fita, deitava-a no chão, mexia-lhe com os dedos e esticava-a para de novo voltar a enrodilhá-la entre as palmas das mãos. Maria não se inibiu com a indiferença que julgava estar-lhe a ser dirigida e continuou a falar, ignorando o leve som que os pés da sombra inventavam ao bater contra as pedrinhas do chão:
- Há um laço que eu desconheço e que me liga ao rio desde sempre. Não sei se é a cor azul que me acalma, se é a tranquilidade com que o meu coração vive neste sítio. Aqui descansamos: o meu coração e eu.
Fez uma pausa para ver se percebia com que armas tinha conseguido aprender a separar as coisas.
- Por aqui encontro marcas na relva e eu finjo que são as nossas. A minha e a tua, antes de te chamares Fantasma. Quando me sentava ao teu colo. Lembras-te? Mas não é só isso. Não me lembro de alguma vez não ter sido feliz aqui. Mesmo nos dias em que eu vinha ter contigo e não dávamos as mãos porque precisávamos de coordenar o coração e a razão, eu nunca deixei de ser feliz. Até nesses momentos eu era feliz. Mesmo quando baixavas os olhos por não conseguires olhar mais para mim do que para o chão, até aí eu era feliz. Coberta de medo, sorria por estares aqui, levantava os teus olhos à altura dos meus, olhava-te e dava-te um beijo. E eu era feliz. Era feliz assim.
Fez outra pausa. Desta vez deixou secar a boca; aquela palavra exigia demasiado. Recuperou e respirou fundo.
- És feliz? – escapou-lhe a derradeira pergunta.
E depois desta frase os seus lábios colaram-se. Maria desconfiou que ficaria ali o resto do dia, incapaz que estava de acreditar que fez de facto aquela pergunta. Retraiu-se, parecia estar a ser engolida, a desaparecer por dentro e a deixar uma frágil casca do lado de fora.
Durante o tempo que ela tinha passado a falar, a sombra notou os seus joelhos a tremer. No primeiro instante em que o nervosismo a atacou, desfez o desenho sem nexo que tinha feito e desenhou, em poucos segundos, algo que parecia estar arrependida de não se ter lembrado antes.
- Acabei – encorajou-se a sombra a contar.
Um arrepio assolou o corpo da Maria desde a cabeça até à ponta dos pés. Devagarinho, abriu os olhos e com o receio que se apertou à volta do corpo, enrolou os lábios um no outro.
- Leva o tempo que quiseres. – tranquilizou-a a sombra, conhecendo fraquezas com que já tinha lidado. A sombra adivinhou os mares em que Maria tinha mergulhado. Pela voz dela conheceu os cantos às histórias que ela imaginava enquanto lhe falava e no seu silêncio, deslindou a dor em que ela pairava.
Nisto, a Maria sentou-se. Flectiu as pernas, juntou-as e apoiou a face nos joelhos. Com os dois braços enrolou o corpo num abraço que de outra forma não conseguiria ter. Ficou nesta posição a olhar o rio, fingindo estar sozinha, ignorando uma presença que nunca deixou de estar presente. Fechou os olhos uma última vez e quando a curiosidade se tornou maior do que ela, levantou-se. Ajeitou o cabelo, fazendo-o cair sobre os ombros para esconder a postura de quem não sabe o que esperar. Por fim, virou-se de frente para a sombra. A sombra estava de pé e olhou-a nos olhos, desviando depois o olhar para a forma que a fita de cetim desenhava no chão. Ela seguiu-lhe o olhar. No chão, a fita de cetim desdobrava-se num círculo perfeito. Ou melhor, quase; e a descrição admite este «quase» porque o círculo não estava fechado.
Não está completo, cresceram-lhe imediatamente as palavras inaudíveis. Um círculo não é um círculo se não estiver fechado. Por mais perfeita que seja a curva. E continuou a falar só para si porque não acreditava que a sombra tivesse outras intenções.
- Deste sete passos.
Maria ergueu a cabeça do chão por culpa da inércia. As palavras da sombra causaram uma diferença demasiado grande entre a velocidade a que a história se vinha a desenrolar e a velocidade a que as coisas começaram a acontecer naquela tarde. Ela tinha de facto dado sete passos, contou-os, mas não sabia que a sombra estava atenta ao ponto de os contar também. Estaria a sombra interessada na sua vida? Por não lhe pertencer a resposta a perguntas como estas, Maria não entendeu onde queria a sombra chegar. Já a sombra, essa avançou com a conversa que tinha começado:
- Deste sete passos quando te afastaste de mim. Sabes o que mede o sete?
A pergunta transformou-se numa retórica.
- O sete mede a renovação. Até a totalidade é expressa por esse número.
Ela não pronunciou uma única palavra, optou por deixar a sombra conduzir o assunto.
- Tu vives à procura de uma renovação que espelhas em pretérito perfeito.
O silêncio dela não se interrompeu, mas era visível que estava incomodada.
- Encontras-te aqui?
- É só uma fita. – começou a Maria, adoptando uma postura que pertenceu à sombra durante tempo demais – É uma fita de cetim que criou um círculo que não quiseste ter tempo de aperfeiçoar.
- Não é só uma fita de cetim. Nem sequer tive a intenção de te representar a ti aqui.
A Maria deu um passo atrás.
- Não é a falta de vontade, a falta de tempo nem sequer a falta de imaginação – A sombra estava a falar de forma tão rápida que nem se conseguiu aperceber de que afastava a Maria. Apontou para o desenho no chão e dirigiu-se a ela com uma pergunta – Não me reconheces aqui?
- A ti?
- Sim.
Maria tentou conjugar a impossibilidade com a esperança. Eram duas coisas que tinha deixado de conseguir articular num momento que vive no passado e após estas palavras continuou a ser incapaz de as medir, mas de uma forma diferente.
- A minha vida: é um círculo, ou quase. É a totalidade incompleta. - admitiu finalmente a sombra.
Aos olhos dela, a sombra começou a ser vestida por cores que já tinha perdido.
- Entendi – confidenciou a sombra, aliviada por ter encontrado um momento em que o receio deixou que ela dissesse numa parca palavra tudo quanto sentia dentro de si à tempo suficiente para ter a certeza de que sabia o que queria.
As cores, que já tinham evoluído do preto e branco para tons sépia, menos dolorosos mas ainda envelhecidos, estavam agora a aventurar-se em espectros coloridos, dos quais Maria já nem se recordava. Corajosa, Maria retirou uma fita que tinha sobre o seu vestido na linha da cintura, desfez o nó do laço que a rematava e desapertou-o. Deu um passo em frente e parou, ele sempre a observá-la. Depois de ter parado deu mais sete passos, os mesmos sete que ele tinha mencionado. Aproximou-se do chão e colocou a fita do seu vestido sobre o círculo que ele desenhara, prestando atenção à forma que ele criou e cobrindo o espaço que ele deixou em branco.
Sim, agora podia dizer-se que estava ali um círculo. Ela olhou para ele com o coração aos pulos e com medo da sua reacção. A resposta ao cruzar de olhares foi um sorriso como ela ainda não (lhe) tinha conhecido. A «ele». Um narrador não se devia arriscar a adivinhar a história, mas a sombra deixou de o ser e transformou-se «nele». O «ele» que já tinha sido.
- Pela mão dos dois.
O círculo, que tinha deixado de o ser e só se mostrava uma forma aberta, voltou a sê-lo pela mão dos dois, como ele acabara de dizer. Até aqui ela não quis iludir-se. Queria, mas não se permitiu. Precisava de ter a certeza que ele queria, precisava que ele lho dissesse a ela, sem intenções escondidas atrás de jogos de letras. Nas palavras dela, pintou-se o desenho dos seus últimos tempos: tempos de espera, de silêncio, de falta de definição. Feliz, ela apenas conseguiu formular uma frase:
- Porque demoraste tanto?

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O toque da escrita num toque de mim

Sou de mim,
das minhas palavras,
das minhas dores sentadas ao sol.
Sou dos dias em que falo comigo,
das horas em que escrevo
com o vento a marcar o passo das folhas.
É assim a minha vida:
da cor de um sonho,
como um vidro fosco que
permite a transparência
mas não a oferece.
Sou um projecto
que preciso de concretizar,
uma folha solta do caderno.
Seria eterna se me deixassem.
O meu eu nasce no fervilhar das palavras
quando me sento sozinha,
no canto do dia, da vida.
Deixo que elas expludam
alegres, eufóricas,
furiosas, indignadas,
perplexas, desbocadas.
Deixo-as à minha superfície.
Depois,
retiro-as da pele,
passo-as para o papel
e descanso.
Descanso de mim e leio-me
como se lesse outro.
Vou contando pela noite, em voz alta,
uma história que bem conheço e
aprendo por mim um olhar diferente
a uma figura como a minha.
Passo pelas cicatrizes,
por marcas do tempo que o tempo
insiste em mostrar-me.
Ensino-me.
E é uma experiência de mim para mim,
uma descoberta por que espero todos os dias.
Por isso, tenho a escrita como parte de mim.
E enquanto as horas passam eu olho-me.
Olho-me.
E olho-me.
Sento-me em frente ao espelho e
pergunto em que fendas cabem mais palavras.
Onde terei que procurar espaço para as escrever?
De tanta pele que descrevi
já quase me sinto nua.
Liberto-me das máscaras,
expulso as contenções e
vejo-me mais pura,
sem os traços que ao de leve se traçam
durante a tentativa.
Não espero que me conheçam
nem tenho a pretensão de me dar a conhecer.
Eu sou esta.
Sou eu com as minhas palavras
e sou eu com poucos.
A minha essência não foge,
esconde-se em pedaços que carecem de afinidade.
Existo no meu olhar denunciador
sem se cansar.
E no encostar de duas pálpebras
apaga-se a luz e sorrio.
É neste aconchego de
um abraço que me dou
que eu me sinto inteira e peço mais.
Passo um pé sobre o que não me faz falta
e com a conquista de um equilíbrio
levanto o outro e levo-o
para esse lado da margem.
Sou uma alma dançante,
com o desejo de ver a felicidade
em todos os movimentos do mundo.
Sou uma faminta de vida,
a saltar de nuvem em nuvem
atrás de um sol que numa tarde
(mais do que uma)
e no silêncio da solidão
quase deixou de brilhar.
Mas o sol ainda aclara o céu!
O céu...
Sabes de que cor é o céu?
Sabes de cor todas as saias que ele tem?
Quando olho para ele
encanto-me com as milhares de formas que cria.
A metamorfose do azul,
da noite estrelada,
do algodão branco
que no branco não se esgota.
As estações vivem lá
e os meus sonhos também.
Gostava de viver lá,
de edificar uma cidade de nuvens
e observar a vida.
Mas não,
o trago agridoce do dia consegue apaixonar-me cada vez mais:
ver o voo dos outros,
o sorriso espontâneo,
as crianças a correr pra encaixar num abraço.
E ao colo trago o meu dia bom
- ou menos do que isso -
para lhe fazer perguntas durante a noite.
Deito-me,
encolho as pernas,
coloco as mãos de baixo da face e ouço-o.
Às tantas viro-me,
desprendo as mãos e fixo o olhar no tecto
como se estivesse lá fora
a olhar as estrelas.
Então rio-me!
E quando rio fujo com os olhos do tecto
porque deixa de ser a noite a embalar-me.
Outras noites deixo-me ir presa a mim,
a agarrar o dia para o poder tranquilizar com a noite.
Deixo que essa noite me espelhe,
espelho moldado pelas minhas frases.
Outras vezes,
ao som do jazz,
recosto-me nos episódios da vida,
quebro a ordem do calafrio
e por entre as pestanas decido
com que luz deixo que as coisas se pintem.
Deleito-me com a melodia,
com a música a controlar
o bater do coração,
a voz a acalentar com delicadeza
a frieza do ritmo.
Inclino a cabeça.
Inclino-me.
Entro em momentos
que não tocam as palavras
e não se deixam limitar.
Como eu.
Como agora,
no escassear da escrita
em que estou a sentir-me tão eu
que deixo de saber descrever
por que letras me podem conhecer.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Não me parece que consiga arranjar tempo para escrever hoje, infelizmente! Amanhã estarei mais liberta, finalmente!

Assim sendo, deixo apenas mais uma música, uma que não me largava durante a reprodução aleatória.


Kings of Convenience - Envoy

domingo, 6 de junho de 2010

Oh!
Não é magnífica?


Jeff Buckley - Lover, you should've come over



Para quem prefere o mundo do Jazz, há esta versão maravilhosa do Jamie Cullum:

Escrever/Sobreviver

«[escrever] é uma forma de sobreviver dentro de mim.»

BARBARA PAZ

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Pintor, ensina-me a pintar

Nunca me ensinaste de que cor se pinta a memória. Como é?
A memória é uma coisa, o pigmento é outra. O pigmento aplica-se no estado líquido e a memória surge num estado nostálgico.
A memória e a cor são uma mistura heterogénea. E são principalmente os pretos e brancos que se incorporam e lhe assaltam a textura.
Ensina-me a pintar. Sabes colorir?
Eu conheço as técnicas, poucas, para criar matizes. Vivenciei a profundidade e prensenciei um frio que não quis. E foi assim que comecei a aprender a usar a cor. E o que me encanta, o que é? A pintura figurativa e abstracta, que mais poderia ser?
Eu gosto de pintar a realidade que me é familiar, mas mais com as palavras. É por isso que a minha realidade interna ainda não tem cor.
Sou demorada. Mas vem, anda! Posso-te mostrar os cantos do que é abstracto. Uma representação pictórica pode ser compreendida; não tem regras, não existe um livro de instruções ou ferramentas que apresentem os tons uns aos outros. Antecipam-se os tons pelas afinidades, o que acaba por ser chato.
Eu adoro o imprevisível! Está bem, é verdade que sou cautelosa, que tenho medo, que peco por me ficar pela metade. Mas ainda assim!
Ainda assim, prefiro sujar as mãos quando o quadro acaba e misturar o que foi experimentado com aquilo em que nem toquei. A lavagem é complicada, mas as cores que cria são impagáveis!
Agora falando num tom mais sério: ensina-me a pintar. Transmite-me essa sabedoria das matizes perfeitas que uma vez encontraste. Gostava de entrar no desenho que pertence a essa voz pitoresca que escolhe as cores sem que as deixe falar por si. Há que dar conta que as cores abrem, que têm uma palavra que não se cala com a saturação. Esclarece-me sobre como planeias trabalhar em estúdio nessa representação visual do concreto, porque do abstracto quem tem as honras sou eu.
Abandona a natureza morta, que dessa visão já o Outono é dono.
Tenho a sensação de te invejar o suporte. Quando o desequilíbrio entre as cores dos preenchimentos aumenta, foco-me na tonalidade que deste à vida e inspiro-me. É assim que me encontro nos caminhos que conduzem ao aglutinante que me ajuda na matéria do contraste.
Perdoa-me não gostar de uma coisa: essas tuas experiências a carvão. Esses espaços em branco que crias durante o traço denotam a tua imprecisão. Precisas de dominar melhor essa arte difícil que é perpetuar a linha. A cor também não parece favorecer as figuras, nunca evolui. Sobre ela parece simplesmente recair o decréscimo de força que a acompanha desde o traço quase preto até ao aspecto de marca de água que a reputação não abandona. Questões de luminosidade, dirão os outros. Incapacidade, argumento eu.
Ah, dir-te-ia para desistires das aguarelas também! Usas sempre mais água do que tinta e deduzo que tal seja para diluir, o que me leva a crer que estarás a descolorir.
Mas ensina-me a pintar. Gosto quando iluminas os dias com os teus simples rasgos de cor.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Quanto tempo o meu tempo tem?

Fundida com as correntes de som das maracas de areia que escorrega dentro desse instrumento de madeira, assim me encontro. Os grãos escorregam sem pretensão, mas... Fugir, pensamos todos.
Um xilofone (nome tão pouco poético para um instrumento harmonioso!) toca. Ouve-se uma nota de quando em quando para orientar a hora de partida. Pena, às vezes as últimas areias não têm tempo.
Numa ampulheta espera-se até ao último segundo para mudar a direcção do enredo. Sabe-se sempre quando vai acabar o tempo real que ainda temos. O problema é que passamos a ter a percepção de que controlamos o tempo, porque o conhecemos. Nas maracas marca-se um tempo diferente do tempo que dizemos ser o tempo real. Porque não o é. O nosso tempo real não se presta a medidas básicas de relógio. Presta-se a mim, a ti, a todos. As maracas que eu me imagino a agitar, não se agitariam tanto como a incredulidade perante a minha falta de ritmo. Digo eu que a percussão é para pessoas diferentes de mim, aquelas que sabem medir o tempo.
No tempo psicológico, o ponteiro não segue leis físicas, obedece-nos. Ou serei só eu a obedecer-lhe a ele? Há regras que eu lhe imponho, outras que... O girar dos ponteiros persegue-me nas voltas rectas dessa esfera que não conhece obstáculos. O meu tempo é a minha sombra. E é longo, sempre mais longo.
Quando eu deixo de conhecer o tempo e me vejo incapaz de o controlar, embarco numa dúvida que hipoteca os meus desejos mais racionais. Pergunto frequentemente, sem obter resposta, pela medida do tempo que se esconde por encruzilhadas que claramente não domino. Nem sei se será por falta de vontade ou por recusa.
Será que é o tempo que se mascara de artifícios matemáticos? Nunca foi boa com algoritmos.
Se o meu tempo se misturasse com esse tempo universal, condensar-se-iam num só que seria perfeito. Mas e se aí eu deixava de ser eu? A minha identidade podia vir a ficar desfeita entre o fuso de dois ou mais países! O jet-lag ia querer atrasar a minha visão, já se si lenta, da vida. Já para não falar das horas a mais e as horas a menos que mudam o tempo real e que, com a minha tamanha sorte, me iam trazer reviravoltas neste marca-passo pessoal.
Se for possivel combinar uma hora de partida para o meu tempo e o tempo do mundo, então o meu relógio está estragado. Ou será o do mundo?

terça-feira, 1 de junho de 2010

«... Stand still for a second and you’ll be left behind but as hard as we try to move forward, as tempting as it is to never look back. The past always comes back to bite us in the ass. And as history shows us again and again those who forget the past are doomed to repeat it.
Sometimes the past is something you can’t let go of. And sometimes the past is something we’ll do anything to forget. And sometimes we learn something new about the past that changes everything we know about the present.»