sexta-feira, 25 de junho de 2010

(ouro branco sobre) AZUL

O azul deixou-me. O que eu tinha era um azulão, o tom forte e intenso que corria numa roda viva sobre o presente. Vi-o resistir, pigmento a pigmento, a uma mistura entre cores que sobre a paleta se abateu. Os movimentos circulares eram repetidos e vigorosos, levados ao extremo. A força era humana e a raiva animal num encontro feroz que se pintava ora em amarelo, ora laranja, vermelho por adição, vermelho por imposição. O vermelhão soltou-se, cresceu sobre o laranja, ateou um fogo, ardeu na forma de labaredas altas, altas temperaturas. Ai pai, ai mãe, ai gente! Ai dor, ai azul ausente! A carne a sangrar, a pele a pelar, o sangue a pintar. O cheiro a entranhas assadas, as cinzas carnudas, os restos espalhados. A lua cheia, as flores a secar, a terra a tremer, o castanho a chegar. O fumo a adensar-se no ar, a entalar-se nas nossas fossas, nos buracos da terra. A fogueira foi acesa e a carnificina deu-se. Devagar, devagarinho, aos gritos, nos cantos, com calma, nas extremidades, aos berros, contida, desgostosa, desiludida, depressa, a correr, a derreter, a espalhar chamas, a gritar, a calar, a chamar. Até a apregoar. O adeus chegou. Oh maleita da dor obrigas a verter lágrimas, a saltar muros, a partir a cabeça. Vociferas ao coração como uma fera brada ao ouvido da presa. És enganosa, és mentirosa, mas contudo real. Ai como mentes. Se ao menos, se ao menos… Se ao menos expulsasses o sentir, se esvaziasses, se deixasses o céu. Deixa de ser sol, acaba com os raios que com raios me iluminas. Só não me peças para ser lua.

Já pediste. Já conseguiste. Crescente na noite povoaste o escuro, enunciaste ouro branco sobre o azul. Ai azul que tardas. Porque te perdeste na tarde? Estás debaixo do manto branco da lua, aprisionado. Desce daí. Ouviste-me? Desce daí! Que ordens te esqueces de seguir? Vá, desce daí que o meu coração está a apagar-se. Deixa esse branco, desprende-te. A tranquilidade não mora aí, olha a ilusão a que subiste. Azul, vem até aqui. Foge, corre, não lhe dês mais a mão nem o dedo. Dá corda às pernas, acelera os pés e ensina-lhes o que é a velocidade. Anda azul, pinta-me a mim e ilumina-me tu do que é tranquilo. Não o deixes levar-te. Senta-te, encosta-te a mim, eu dou-te a mão e impeço-te de fugir.

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