quarta-feira, 9 de junho de 2010

O toque da escrita num toque de mim

Sou de mim,
das minhas palavras,
das minhas dores sentadas ao sol.
Sou dos dias em que falo comigo,
das horas em que escrevo
com o vento a marcar o passo das folhas.
É assim a minha vida:
da cor de um sonho,
como um vidro fosco que
permite a transparência
mas não a oferece.
Sou um projecto
que preciso de concretizar,
uma folha solta do caderno.
Seria eterna se me deixassem.
O meu eu nasce no fervilhar das palavras
quando me sento sozinha,
no canto do dia, da vida.
Deixo que elas expludam
alegres, eufóricas,
furiosas, indignadas,
perplexas, desbocadas.
Deixo-as à minha superfície.
Depois,
retiro-as da pele,
passo-as para o papel
e descanso.
Descanso de mim e leio-me
como se lesse outro.
Vou contando pela noite, em voz alta,
uma história que bem conheço e
aprendo por mim um olhar diferente
a uma figura como a minha.
Passo pelas cicatrizes,
por marcas do tempo que o tempo
insiste em mostrar-me.
Ensino-me.
E é uma experiência de mim para mim,
uma descoberta por que espero todos os dias.
Por isso, tenho a escrita como parte de mim.
E enquanto as horas passam eu olho-me.
Olho-me.
E olho-me.
Sento-me em frente ao espelho e
pergunto em que fendas cabem mais palavras.
Onde terei que procurar espaço para as escrever?
De tanta pele que descrevi
já quase me sinto nua.
Liberto-me das máscaras,
expulso as contenções e
vejo-me mais pura,
sem os traços que ao de leve se traçam
durante a tentativa.
Não espero que me conheçam
nem tenho a pretensão de me dar a conhecer.
Eu sou esta.
Sou eu com as minhas palavras
e sou eu com poucos.
A minha essência não foge,
esconde-se em pedaços que carecem de afinidade.
Existo no meu olhar denunciador
sem se cansar.
E no encostar de duas pálpebras
apaga-se a luz e sorrio.
É neste aconchego de
um abraço que me dou
que eu me sinto inteira e peço mais.
Passo um pé sobre o que não me faz falta
e com a conquista de um equilíbrio
levanto o outro e levo-o
para esse lado da margem.
Sou uma alma dançante,
com o desejo de ver a felicidade
em todos os movimentos do mundo.
Sou uma faminta de vida,
a saltar de nuvem em nuvem
atrás de um sol que numa tarde
(mais do que uma)
e no silêncio da solidão
quase deixou de brilhar.
Mas o sol ainda aclara o céu!
O céu...
Sabes de que cor é o céu?
Sabes de cor todas as saias que ele tem?
Quando olho para ele
encanto-me com as milhares de formas que cria.
A metamorfose do azul,
da noite estrelada,
do algodão branco
que no branco não se esgota.
As estações vivem lá
e os meus sonhos também.
Gostava de viver lá,
de edificar uma cidade de nuvens
e observar a vida.
Mas não,
o trago agridoce do dia consegue apaixonar-me cada vez mais:
ver o voo dos outros,
o sorriso espontâneo,
as crianças a correr pra encaixar num abraço.
E ao colo trago o meu dia bom
- ou menos do que isso -
para lhe fazer perguntas durante a noite.
Deito-me,
encolho as pernas,
coloco as mãos de baixo da face e ouço-o.
Às tantas viro-me,
desprendo as mãos e fixo o olhar no tecto
como se estivesse lá fora
a olhar as estrelas.
Então rio-me!
E quando rio fujo com os olhos do tecto
porque deixa de ser a noite a embalar-me.
Outras noites deixo-me ir presa a mim,
a agarrar o dia para o poder tranquilizar com a noite.
Deixo que essa noite me espelhe,
espelho moldado pelas minhas frases.
Outras vezes,
ao som do jazz,
recosto-me nos episódios da vida,
quebro a ordem do calafrio
e por entre as pestanas decido
com que luz deixo que as coisas se pintem.
Deleito-me com a melodia,
com a música a controlar
o bater do coração,
a voz a acalentar com delicadeza
a frieza do ritmo.
Inclino a cabeça.
Inclino-me.
Entro em momentos
que não tocam as palavras
e não se deixam limitar.
Como eu.
Como agora,
no escassear da escrita
em que estou a sentir-me tão eu
que deixo de saber descrever
por que letras me podem conhecer.

1 comentário:

Pedro disse...

owww, fantástisco!