domingo, 28 de março de 2010

19th V

(Fotografia de Walter Pfeiffer)


Disse a mim mesma que não o faria hoje. Mas temia quebrar a vontade.

Estava a cair o casaco, quando precisei de me colocar quase ao nível do chão, equilibrada em mim.
Senti primeiro a musculatura do tronco, depois notei que a do pescoço e da face entrou em igual estado de tensão. O coração batia aceleradamente e replicou-se para a zona da barriga. Tinha duas cópias mas não me lembro onde senti a outra. Fechei os olhos e agarrei-me com força para não ceder à queda. Queda de mim ao chão.
Depois levantei-me e desfiz todos os possíveis vestígios que poderiam estar patentes em mim. Entretanto pediram-me que fosse tratar do cão e eu fui até lá fora, aliviada por poder libertar-me da contenção. Já lá fora, olhei para o cão e chamei-o, como a uma pessoa a quem se pede atenção. Primeiro ignorou-me; a seguir fitou-me com o olhar que melhor lhe conheço e subiu para mim com as patas dianteiras. Deu-me daqueles "beijinhos" na cara que eles normalmente dão e teve a amabilidae de repetir o gesto na minha mão.
Eu soltei a mais irreverente e teimosa, a única que ousou descer.

19th IV

Hoje celebro mais um ano de vida, já lá vão 19.
A prima Beatriz faz 9 aninhos!
O avô esteve connosco mais um dia.

O avô piorou, parece que está doente outra vez. Reparei logo quando cheguei e me brindou com as palavras que percebi carinhosas mas que eram hoje roucas, abafadas pela velhice e pela sua condição de saúde menos boa.
Pela tarde piorou. Conseguia ouvi-lo respirar mesmo por entre o som do Caetano a tomar posse da bola de ténis, da Lorca e do Garcia a correr ao seu ritmo atrás do movimento da rua - três cães dos vários da família - do barulho dos pacotes de gomas a abrir, do riso das crianças, os primos mais novos que nunca páram. O avô estava a dormir, quase tranquilo, com o sol a aquecer-lhe as pernas. Doeu-me ouvi-lo.
Por vezes sobressaltava-se, ficava aflito dentro do seu próprio corpo e eu levantava-me do chão, não sozinha na maioria das vezes, e ia-lhe para o lado. São já muitos os anos que passam por ele mas ainda está aqui, quase inteiro. «Quase», uma palavra que vai alargando 0 seu campo de actuação e aumenta o seu peso na vida do avô. Ajudei-o, apertei-lhe o casaco, medi-lhe a temperatura, fui buscar-lhe a segunda caneca de chá, dissolvi-lhe o concentrado de químicos na água, olhei para ele várias vezes e encolhi-me no medo de estar cada vez mais perto a possibilidade de perder o avô porque já não está tão bom como antes.
A idade pesa, é visível ao nível da perda contínua de capacidades maiores ou menores e da diminuição da destreza corporal.
Não gostei da cara do avô, nem da má tarde que ele teve.

Ainda é cedo para perder os avós. Nem sei como será essa dor, mas também nem me quero atrever a imaginar.

19th III

Peguei e pousei-as algumas vezes. Estava indecisa entre passar os olhos pelas três. Não sabia o que podia estar lá, mas está certo que também não queria especular.
Peguei-lhes, muito a medo, e ia desistir pouco depois do início. Ia, porque desisti de desistir.
No momento em que terminei, apenas com uns dois minutos de atraso, recebi a mensagem e acabei por dizer que sim. Troquei de roupa depressa, voltando àquele vestido pouco quente com que tinha à bem pouco tempo entrado em casa, sem que ninguém desse por mim. Fiz o mínimo de barulho possível e graças ao aclarar do dia tinha luz suficiente para conseguir sair sem chatear a luz artificial. Hesitei, mas lá abri a porta e me mostrei ao dia. A rua parecia estar bem mais fria do que da não longe meia hora anterior, e eu tive que fazer um esforço para me empenhar na tarefa de fazer parecer os meus pés com algodão para não deixarem as escadas falar quando as pisasse. Quando atravessei o portão, ainda era a unica pessoa ali. Esperei, pouco, porque acabaste por chegar.
Não sabia com que palavra começar, que frase escolher. Lembro-me de pronunciar muitas vezes a mesma palavra "obrigada", de ter dito três palavras seguidas despropositadamente começadas pela letra «i» ("irreal", "inesperado" e uma outra que falha à memória), da minha incredulidade, da minha surpresa. Recordo-me de abraços, mais do que um, que demoraram largos segundos.
Fizeste uma pergunta à qual não conseguia responder, mas escolhi a resposta certa e a mais sincera. Continuo sem entender.
Lembro-me que foi assim que começou o meu dia.

19th II

Vocês os quatro deram-me aquilo que me fez relembrar uns anos passados, aqueles em que eu tinha uma coisa que perdi. Ri-me. Foi engraçado, foi amoroso. Foi uma coisa à Joana.

Vocês, umas quantas que não os quatro nem os dois, nem os outros dois, ofereceram-me a alegria que quase ninguém consegue. Aquela que é mesmo minha e não advém de nenhum esforço de espécie mental ou o que seja. Deram-me aqueles momentos em que sou feliz, pura e simplesmente.

Vocês os dois, que são do mais próximo que eu tenho de um colo. Um conforto diferente que não tem hora nem dia.

Um tu, que me ofereceste aquela túlipa.

Um tu, a querer provar-me que há mais para além do que magoa.

A todos estes, fundamentalmente.

(Not necessarily in order)

19th I

Começámos por nos relembrar de Lloret. Sim, foi há precisamente um ano atrás que estávamos ausentes daqui. Relembrámos quase tudo, repletos de risos e cumplicidade!

sexta-feira, 26 de março de 2010

Eu, fiel a mim.

(Uma modelo no backstage antes de ser apresentada a colecção de Vena Caval, durante a NY Fashion Week)

A voz do passeio da ondulação da água ao galgar a parede inclinada é a banda sonora da minha tarde. Com as nuvens a fugir para longe e o sol a abrir caminho, a tarde vai embelezando o seu corpo.
O ar despenteia-me os cabelos e conduz o meu olhar para o todo o desenho que Belém pintou.
Fiz uma pausa da insanidade diária e não me importo que o tempo me atrase hoje.
Tenho imensas palavras forasteiras a rodear-me e entendo-as a todas. A mim ninguém me recorda pelos traços do rosto - não aqui - e posso continuar as horas que quiser por este sítio plantada, com as raízes a brotar pela sede de intensidade e vivência. O desejo é meu e de mais ninguém e esta liberdade de tomar por meu tudo o que enxergo é tão boa!
Este é o meu refúgio. Ninguém me impede de fugir para aqui. Ninguém me diz que não posso sentar-me e passar uma infinidade de tempo a escrever, a absorver o rio e a conhecer a vida do bando de gaivotas que nunca abandona a zona. Pelo contrário, aqui posso ser eu na minha dimensão mais sincera, mais fiel a mim.

quinta-feira, 25 de março de 2010

"Tanto ou mais que as pessoas, os lugares vivem e morrem. Com uma diferença: mesmo se já mortos, os lugares retêm a vida que os animou. No silêncio, sentimos-lhes os ouvidos vigilantes ou o rumor infatigável dos ecos ensurdecidos."

FERNANDO NAMORA, in "Jornal sem Data"

"Felicidade, agarrei-te
Como um cão, pelo cachaço!
E, contigo, em mar de azeite
Afoguei-me, passo a passo...
Dei à minha alma a preguiça
Que o meu corpo não tivera.
E foi, assim, que, submissa,
Vi chegar a Primavera...
Quem a colher que a arrecade
(Há, nela, um segredo lento...)
Ó frágil felicidade!
— Palavra que leva o vento,
E, depois, como se a ideia
De, nos dedos, a ter tido
Bastasse, por fim, larguei-a,
Sem ficar arrependido..."

PEDRO HOMEM DE MELLO, "Encontro" in "Eu desci aos infernos" (1972)


"Música, levai-me:

Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?"

EUGÉNIO DE ANDRADE



John Mayer - New Deep


quarta-feira, 24 de março de 2010

"Sem direcção, sem caminho
escrevo esta página que não tem alma dentro.
Se conseguir chegar à substância de um muro
acenderei a lâmpada de pedra na montanha.
E sem apoio penetro nos interstícios fugidios
ou enuncio as simples reiterações da terra,
as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos.
Tentarei construir a consistência num adágio
de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes.
E na substância entra a mão, o balbucio branco
de uma língua espessa, a madeira, as abelhas,
um organismo verde aberto sobre o mar,
as teclas do verão, as indústrias da água.
Eu sou agora o que a linguagem mostra
nas suas verdes estratégias, nas suas pontes
de música visual: o equilíbrio preenche os buracos
com arcos, colinas e com árvores.
Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.
O impronunciável é o horizonte do que é dito."

ANTÓNIO RAMOS ROSA, "O Horizonte das Palavras" (Acordes, 1990)


segunda-feira, 22 de março de 2010

Threats II

They were there again one week later. They were there and about to do it again. We can't be such fools to the point of running away to the speed of fear. As a matter fact, world wasn't made for the weakers, but for the ones who use weakness as a weapon.
When able of looking badness in their eyes, I won't escape, I swear. I'll face them.


Gostei de fazer parte da inspiração de alguém por um dia.
Gostei de fazer esse alguém cair em enredos que também conheço e que tanto me dizem. Desconhecia esse seu lado.


sábado, 20 de março de 2010

Hey Big Spender !

"Wouldn't you like to have fun, fun, fun
Hows about a few laughs, laughs
"

:D


terça-feira, 16 de março de 2010

Uma outra forma de olhar

Essa tua simpatia diária que, rondando a mesma altura do dia, me tem chegado todos os dias traz-me um sorriso! Tenho a ideia de que não preenches algumas das minhas horas de forma completamente inocente; diria até que fazes por te lembrar de mim todos os dias. Para te dizer a verdade, nunca tinha pensado em, depois destes pouquissimos anos, tu me quereres olhar de uma outra forma.

Threats

I could be stupid and pretend I'm not scared, but in fact I'll be afraid as I was today.
Bad people should disappear.

domingo, 14 de março de 2010

Ainda te lembras das estrelas cadentes
que percorriam os céus como cavalos velozes
e de repente saltavam as barreiras
dos nossos desejos - lembras-te? E nós
tinhamos tantos! Pois havia inúmeras
estrelas: cada vez que olhávamos para cima ficávamos
estupefactos com a rapidez do seu jogo ousado,
enquanto nos nossos corações estávamos protegidos e seguros
a ver aqueles corpos brilhantes desintegrarem-se,
sabendo que, de alguma forma, sobrevivêramos à sua queda.


REINER MARIA RILKE, "Falling Stars"



Este poema, de que gosto muito, é apenas um gesto para duas das pessoas por quem tenho maior carinho (elas sabem quem são).

De mãos dadas sobreviveremos sempre! ♥

Despedidas

Ela despediu-se e tocou-lhe no braço como, aliás, faz a qualquer pessoa na maior parte das vezes em que se presta a ir embora. No mesmo momento em que lhe deixava um leve beijo no rosto, sentiu a mão dele a tocar-lhe na sua, a pegar-lhe. Não era suposto, não estava planeado. Mas ela deixou.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Quando o movimento se torna tão lento quanto a minha vontade de me mover daqueles segundos para outros espaços, quando o grau de transparência das coisas aumenta, quando o meio avança, quando eu páro no centro da cidade frenética.

Quando o sol nasce e quando o sol se põe.

Quando os segundos perdem vida. Quando o tacto perde terreno. Quando o chão treme e a segurança desaparece. Quando a memória falha e os retalhos caem. Quando a distância ocupa lugar. Quando a saudade se senta à mesa.

Quando os olhos nadam, quando ficam fixos naquilo e hesitam. Quando a mente foge para onde o olhar não se dirige. Quando o sentido quinestésico corre para a incerteza. Quando a insegurança é maior do que a minha superfície.

Quando a música me faz sentir. Quando já nada me apela.

Mas sempre que os deixo para trás, acelero o passo e corro para o nada... Sempre que finjo que não estou a ouvir. Sempre que finjo que estou atenta. Sempre que o horizonte tem mais interesse que o activo. Sempre que encosto os pensamentos ao vidro. Sempre que a cabeça toca o chão com o olhar e depois o ergue vazio.

Sempre que o calor diminui. De cada vez que a dor se exprime e o coração se retrai.

Sempre que...

(almost)

- Olho-te nos olhos e apesar de escuros, tenho a certeza que são mais transparentes do que a água o é.
- Vulnerabilidade.
- É o que estás a sentir?
- Muito.
- Assim que chegaste trazias um sorriso contigo, não te cansas nunca?
- Ele é fácil... Mas sim, às vezes deixo-o aparecer para não ser ingrata.
- Ingrata?
- Sim. Acontece que há dias em que é a melhor coisa que tenho para oferecer. Se não me saem palavras, dou ao silêncio um sorriso.
- Encosta-te a mim.
- Estás à espera que cante?
- Quero dar-te um colo. Só isso.
- Só? Isso já é tanto.
Se eu definisse o tempo como um rio,
a comparação levar-me-ia a tirar-te
de dentro da sua água, e a inventar-te
uma casa. Poria uma escada encostada
à parede, e sentar-te-ias num dos seus
degraus, lendo o livro da vida. Dir-te-ia:
«Não te apresses: também a água deste
rio é vagarosa, como o tempo que os
teus dedos suspendem, antes de virar
cada página.» Passam as nuvens no céu;
nascem e morrem as flores do campo;
partem e regressam as aves; e tu lês
o livro, como se o tempo tivesse parado,
e o rio não corresse pelos teus olhos.


Nuno Júdice, "Tempo Fluvial"

quarta-feira, 10 de março de 2010

Quando me perco no tempo...


John Mayer - Edge of Desire


É daquelas que gosto de ouvir quando estou perdida no tempo, quando tenho a cabeça encostada ao vidro que me deixa olhar a cena montada entre a água, o sol, os barcos, o brilho, o jardim, as histórias,...
Give me hunger,
O you gods that sit and give
The world its orders.
Give me hunger, pain and want,
Shut me out with shame and failure
From your doors of gold and fame,
Give me your shabbiest, weariest hunger!

But leave me a little love,
A voice to speak to me in the day end,
A hand to touch me in the dark room
Breaking the long loneliness.
In the dusk of day-shapes
Blurring the sunset,
One little wandering, western star
Thrust out from the changing shores of shadow.
Let me go to the window,
Watch there the day-shapes of dusk
And wait and know the coming
Of a little love.



Carl Sandburg, "At a Window"

segunda-feira, 8 de março de 2010

Sex & The City

“Sometimes we need to stop analyzing the past, stop planning the future, stop figuring out precisely how we feel, stop deciding exactly what we want, and just see what happens.”

Sarah Jessica Parker as Carrie Bradshaw

Desafio-vos!

A pensar no Pedro, decidi desafiar-vos!

Leram o meu post anterior? Pois bem, então sabem ao que me refiro ao propor este desafio!

Toda a gente tem momentos em que quer abrir a boca e não consegue, por motivos mais ou menos plausíveis! Pois bem, foi esse o ponto de partida para eu ter criado este desafio!
E para quem, como eu ou não, padece desse mal estar aqui vai:

1- Escrevam sobre o que vos apetecer. O que vos vai na alma e não salta da boca. E escrevam um ou mais textos se quiserem que o resultado seja ainda mais imperceptível para os outros!

2- No Word, ou de uma forma mais artesanal, alterem as frases de ordem. Caso tenham escrito mais do que um texto, misturem-nos, torna tudo bem mais divertido!

3- Agora divulguem o resultado, juantamente com as regras no vosso blog. Os outros podem não perceber, mas para vocês o resultado será mais claro do que talvez quisessem!


(O meu resultado ainda não está pronto, mas logo que possa vou colocá-lo aqui!)
Quem é o primeiro a tentar?
É terrível quando as palavras estão a forçar a boca de todas as maneiras e não lhes podemos dar voz. Deixamo-las presas porque não se podem deixar escapar.

Sabem como é?

(:

É esta, definitivamente!


The Cure - Cut Here

sexta-feira, 5 de março de 2010

O tempo foi às compras

O tempo abusou nos dias, comprou-os numa quantidade absurda. Ultrapassou o plafond, só penso nesta hipótese. Quem compra tantos dias destes e depois os espalha sem fim à vista? Ah, mas é que deve andar feliz! Não lhe vejo a angústia de quem, ao fim de mais 24 horas, se depara com a mesma velha frase que já sabe de cor:
"- E com o cair da noite já se passou outro dia, mais um."

Duzentos e quarenta e três

243.
Este é um número feio.
O Dois consegue ser muito egoista, isto porque a complementaridade sofre uma metamorfose. Ele é capaz de entrar em campo numa posição em que se assume ambivalente. (que dó!)
Depois chega o Três com a mania que Valentia é o seu nome do meio. Pisa o terreno de peito feito, com a certeza de que veio para salvar a partida. Mas o Três é sempre o Três e, dia menos dia, casa ou descasa e muda de nome. Porque sejamos sinceros: ele é fraco, não aguenta muito tempo.
Ora, é caso para apresentar o Quatro. Ele é o maior de todos, o mais justo, o mais cheio, pleno e animador. Entra em jogo quando se pensa que este já está perdido. O Quatro entra por substituição, mas nem por isso é menos importante.


Porque é que quase ninguém acredita que a substituição pode alterar drasticamente o resultado do jogo?

Porque duzentos e quarenta e três contei eu.
"Lancem-me ao fundo do mar.
Mandem-me para a água salgada.
Não há arado que me toque nos ossos.
Nem Hamlet que me segure nos maxilares para dizer
Como os gracejos se foram e a minha boca está vazia.
Necrófagos longos de olhos verdes furar-me-ão os olhos,
Peixes púrpura jogarão às escondidas,
E eu serei o ribombar do trovão, o rebentar das ondas,
Nas profundezas de água salgada.
Lancem-me... ao fundo do mar."

Carl Sandburg, "Bones"

quarta-feira, 3 de março de 2010

Mas...

O meu corpo moveu-se na direcção que duas mãos escolheram para mim. Uma encostou-se na nuca, ao passo que a outra se colocou bem mais abaixo, na zona sacral.
Precisávamos de um impulso extra-corpóreo para em seguida sentir o que era ser um corpo livre.
O esqueleto desatou em movimentos fluidos, a patinar numa saborosa ausência de constrangimento.

De ti recebo indicações, mas que não chegas a dar. É um esforço infortífero este de às vezes querer deter sentidos imediatos na detecção de sinais, informações nem sempre fidedignas que me arrisco a interpretar.
Em ti já não tenho a certeza do que conheço. Não é preciso ver-te e ainda menos sentir-te. Não são as tuas mãos a conhecer-me a pele, a sensação de ter os teus e os meus lábios a lutar por um aproximar perto da eventual vontade e acolá da possibilidade. Tenho ocasionalmente os meus olhos a descobrirem o que vai nos teus por entre os longos cabelos que me fogem da mão e descaem na face.
Nem a tua linguagem corporal está disciplinada.
Não és dos que aparece de mansinho e guarda a intensidade para o fim. Em vez disso, expressas-te com poucos segredos, testando a elasticidade do quase irreal.
Tu conduzes-me ao que queres com uma mestria com que te ando a deixar brincar.



Elvis Presley - Can't Help Falling In Love

terça-feira, 2 de março de 2010

Outro ego, indiscutivelmente.


Klepht - Alter ego (outro ego)

Sabes sorrir no teu melhor
Mudas de cara quando digo não
Queixas-te de ter de acordar
E nada te interessa mais

Finges sentir em cada sabor
O prazer perdido
Não tens forma de me dizer
Que nada te interessa mais

Sabes que não
Sabes que não
Mas falo sem te conhecer de cor

Acho que não acredito em ti
E já de mim duvido
Confronto a razão com os teus valores
Porque nada te interessa mais

Sabes que não
Sabes que não
Mas falo sem te conhecer de cor

Tu disseste com um fraco sorriso
“É o meu melhor, não duvides por ser para ti,
E falo sem me conhecer de cor!”

E se já não nos sentimos mais
Resta-nos viver


Não nos sentimos mais, resta-nos viver.

Não sentias mais
Não sentias mais
Resta-nos viver
Resta-nos viver...

Mudança: é um sim? não?

Ontem estive durante aquelas quatro horas empenhada num workshop. Depois escrevi imenso, não conseguia parar…

“Parece que acabei de acordar de um longo pesadelo e me levantei a correr para lavar a cara e eliminar o medo que ele me deixou a correr no sangue. Se quisessem quantificar biologicamente o que me segue nas veias veriam: uns 20% de vestígios de medo do desconhecido que se há-de apresentar, 51% de um querer mudar, 11% de insegurança em que se tenta equilibrar a minha decisão e 18% de entusiasmo que não me quer deixar quebrar. Tudo isto se move num fluido circulante semelhante ao plasma, mas que para mim tem o nome de ânimo.

Propus-me a desconstruir o meu eu e a adoptar uma visão crítica das coisas. Foi pelo que ela disse, qualquer coisa como: precisamos de nos consciencializar do nosso corpo, de nós, de nos sentirmos activos em cena, fazermos parte da acção para entendermos quando algo está mal no palco. Os pormenores são importantes, a forma como nos damos a entender não pode ser descurada. Vamos deixar-nos tomar o papel de figurantes? Vamos actuar, percepcionar e fazer uma crítica! Imediata! Se uma coisa está mal vamos mudá-la, tentar uma abordagem geral e, noutros passos, ir desconstruindo o acontecimento para tirar de cena o supérfluo e ir reduzindo o momento ao que é importante. Se não está bem altera-se na hora ou se deixa, deixa, deixa até que a mudança desliza estupidamente para o amanhã. Pode é compensar-se a perda de agitação, movimento e presença com algo mais que não tenhamos aproveitado. As coisas completam-se, mais não seja com recurso à imaginação.

Começamos pelo que não mente, trabalhem lá a vossa expressão corporal, libertem a tensão do que vos prende, sintam os pontos de contacto que há entre vocês e o chão. Ouçam quando o ser pede atenção à vontade, não há nada pior do que querer mais do que a realidade suporta. É física e mentalmente intolerável.

Descentrei-me da inquietação que faço questão de não abandonar. E o medo? Porque não ensinar-lhe o caminho para fora de mim? I mean, as razões que eu tenho não me deviam pertencer, hospedaram-se a mim porque tenho uma fraqueza associada à incapacidade de bloquear os receptores de desejos conjugados no passado.

Foram exemplificadas imensas situações, uma das quais aquela típica em que ansiamos porque nos entendam sem sermos minimamente objectivos. Optamos por gesticular, rondar o óbvio em curvas que se sobrepõem. Há individualidades mais efusivas, outras que se enterram de cabeça na confusão do que já é complexo. Uns fingem, transformam em opacidade a transparência. Uns fogem, escondem a cara entre as mãos para ocultar a expressão quando o miocárdio dá de si. São conhecidos os que enganam, mas se queres usar palavras, que não seja para mentir. Ela acentuou a ideia de que não devemos deixar de dizer o que queremos, o que deixou de funcionar comigo. Só que... Para quê exigir aos outros que tenham sempre tempo para adivinhar? Não temos todos boca para pronunciar um som a que queremos que atribuam significado? Não interessa se o advérbio “ainda” está a ser usado fora do tempo. Que culpa tem o homem que os segundos não tenham quebras quando se fala em produção de movimento? Impuseram-se sempre e têm a vantagem de conseguir manter uma velocidade constante, sem picos máximos ou mínimos que o fragmentem em fases.
Eu gostava de ter só uma fase. Não tenho interesse em manter-me longe da mudança, quero o proveito de estar completa com a estabilidade.

A essa, à estabilidade, convidei-a a encontrar-se comigo vezes de mais para quem quer manter-se em jogo, a dominar o jogo. Estou tentada a dizer-lhe para aparecer se quiser. Já conhece o chão, sentiu a textura do espaço e envolveu-se até não aguentar a densidade que sobreexplora o conhecido. Aproveita-se-lhe das fraquezas, enganada na rota do que é dar em sentir.

Há limites para tudo. Até para o conforto de reviver o que nos é querido.
Faço um apelo à honestidade, para que se separe da provocação e me apresente uma abordagem renovada da sua pessoa. Limpa, objectiva, desprovida do desnecessário. Sentimental, a descobrir a verdade e a despir-se do que é racional.
Há alguma linha que tenha deixado a tracejado? Pelo menos eu?"

Só agora

Acabei de chegar de um workshop que durou 4 horas!

Pensei tanto, mas tanto.
Tenho mil frases a sair-me da cabeça neste momento...
É maior a vontade de escrever do que as horas que me restam para dormir. Se me sentir muito cansada para continuar, conto-vos tudo amanhã!