sábado, 3 de julho de 2010

Avançamos vida fora experimentando os mais diversos sentimentos e emoções. [...]
Da maioria dos dias não guardamos memórias. Passam como se não tivessem acontecido, idênticos a tantos outros em que cumprimos tarefas, desempenhamos papéis, mantemos conversas, damos beijos e sorrisos distraídos e nos sentimos automáticos e automatizados, como se a capacidade de ser, pensar e sentir não fosse precisa ou nos tivesse abandonado.

Destes dias, algo pardacentos e com limites desbotados, alguns conseguem dizer que são agradáveis, pela previsibilidade e controlo que sentem, e muitos outros referem, sobretudo, uma sensação de monotonia e enfado.
Mas bons, maus ou assim-assim, os dias que passam parece que evoluem em climas emocionais de fundo que costumam ter mais importância do que os próprios dias.

Em algumas fases da vida parece que os dias decorrem sobre o signo de uma expectativa positiva, de uma quase esperança, que nos faz querer correr no tempo, nos ilumina os percursos e nos vitaliza como se fôssemos grandes consumidores de excitantes. Noutras, pelo contrário, arrastamo-nos, desmoralizados, como se, fizéssemos o que fizéssemos, tivéssemos de perseverar num caminho traçado e afunilado que nos leva, inevitavelmente, para um qualquer lado a que não queremos ir.

Quando nos perguntamos (ou alguém nos pergunta) por que é que estamos tão animados ou tão desanimados, por regra explicamos, com detalhe, sinais e sintomas de boas ou más coisas a eventualmente acontecer, como se dependêssemos absolutamente do que é exterior a nós para modular o nosso humor e os nossos estados de espírito. [...]

Usamos pouco e usamos mal aquilo que deveriam ser os nossos recursos íntimos para a vida de todos os dias, entre eles a capacidade de filtrar acontecimentos e escolhermos o que é importante e nos pode e deve afetar. Que é muito menos do que parece.


ISABEL LEAL, in crónica "Esperança e Desânimo"

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