segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Dia inumerável

Insignificante. Foi esta a primeira palavra que escolhi, mas depois pu-la de lado. Na verdade, poderia apelidar de Justificado o que não queria saber. Qual a utilidade de saber efectivamente que dia era aquele? Para quê chamá-lo pelo número? Para poder lembrar-me daqui a um, dois, cinco meses, um ano do aniversário de uma ocasião que não quis ver crescer aos meus pés? Em concreto, não a vi sequer. Desviei a minha atenção para a altura do prédio da frente, e nunca me parecera tão grande. Eu ali, pequenina, invisivelmente anã, ou mais do que isso, a vulgar formiga a mingar perigosamente nas margens da sua dor. Vi carros, tantos carros. Passaram por nós pessoas, umas de mãos dadas. Sozinhas, poucas. Não olhei para ti uma única vez. Deixei-te na frente, a comandar, e sentei-me mais abaixo, onde deixasses já de fazer parte do meu horizonte que, sabia eu, ia forçosamente deixar de te incluir. Sei que juntei as mãos enquanto falavas as tuas palavras pausadas. Num gesto tão banal, concentrava as forças que me faltavam. Enquanto debitavas o nosso fado, eu desfazia as mãos que às vezes me davas, enviando-lhes a dor que me ofereceste. E nisto, tinha o corpo rígido, pesado, sofrido. A minha estrutura podia ter construído ali uma cratera, não fosses tu estar lá a segurar-me. Pouco mais eu dava sinais de estar viva, à parte o pescoço que se orientava para o lado oposto ao que ocupavas. Contraí nessa posição todas as células desta casca, congelei-me inteira para poder depois dizer-te que ainda estava viva. E tu falavas, a medo. Era quase um sussurrar, um leve som que davas às frases curtas, sucintas, para dizeres depressa o que achavas que conseguias. O meu corpo começou a tremelicar, logo depois a tremer. Eram sinais de quem não aguentava as tuas profecias, calculadas com base em distâncias que ainda agora não meço como sendo grandes. Elas, as que nos afastam, não são mais do que um dado adquirido e muito pouca importância se lhes deveria atribuir para além dessa. Oh menino, não vês que o meu corpo congelado se derrete? Não vês os sulcos que as lágrimas causam logo abaixo dos olhos que não consigo que te vejam?
Algum tempo depois saíste do teu sítio e ficaste mais perto. E o lado que eu reservava para te evitar foi o que ocupaste. Viste-me, já depois de teres a cara caída e em direcção ao chão, os braços desleixados sobre os joelhos, sim, isso eu reparei em ti. Viste as minhas lágrimas, tão desconhecidas por ti ainda, e encostaste-me ao teu calor, num gesto de quem lamentava o que nos estava a acontecer.
Eu lamento. Choro a morte do que existe entre nós, o que o vento ainda não nos roubou mas que com o tempo se sumirá.

2 comentários:

Bruno Peter disse...

Que final trágico... E triste, é dizer que me é familiar! Enfim...

Anónimo disse...

abraço forte forte forte!