quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Verdades por Rodrigo Guedes de Carvalho

Descoberto por uma das pessoas que mais estimo e a quem melhor quero. Para ti, mando-te um abraço sentido enrolado no vento que hoje não adormece! *

"Sabes perfeitamente que não devias voltar. E no entanto. Ainda há pouco, à entrada da vila que quase falhaste por estar tão diferente, uns sinais que cá não estavam, uma rotunda pequenina que entretanto nasceu, vegetação seca no meio, sempre se poupa água. Ainda há pouco, ao entrares na vila, ao reentrares no que foste um dia, veio, sabe-se lá de onde, nunca soubeste, um aroma que te guia. Parece-te sempre que é como aquelas nuvenzinhas dos desenhos animados, que se transformam em braço e mão, e te fazem sinais com os dedos, a chamar-te. Quiseste um dia escrever sobre esse cheiro, que não é bem mar nem sal, que sabe um pouco a vento, que traz calor agarrado. Havia um odor que te sabe a infância, mas sabias lá como dizê-lo: e assim aprendeste a coisa mais importante quando se escreve, que há coisas que simplesmente não têm palavras para elas. Aqui estás, na hesitação leve e disfarçada (não sabes para onde ir) na esperança de arrefeceres uma dor que te queima. Quiseste regressar a um sítio onde foste feliz, falhou-te a outra tentativa. Quando o desgosto, mais um, mas este tão brutal, te levou a partir para longe. Viajaste, calcoreaste toda a Terra: alguém te disse (uma data de gente, aliás) que te faria bem, se é que ainda se pode falar de fazer bem quando dói tanto. Mas que fosses. Que precisavas de desanuviar a cabeça, conhecer outras pessoas, que a solução será afastares-te o mais possível dos cheiros e cores e sons que te doem. Que andares distraída seria um bálsamo. Uma cura. Fizeste o suposto, cumpriste o que te aconselharam. E em cada um desses sítios de fim de mundo tentaste deixar por lá a mágoa, afastares-te dela, aproveitar quando ela se distraísse, largares a correr em sentido contrário. A esperança de voltares mais leve. Querias cumprimentar as pessoas, a data delas que te aconselhou. Dizer-lhes obrigado, foi de facto uma solução para a cura, já não me dói. E assim aprendes a não crer cegamente em todos os conselhos. As pessoas não fazem por mal, mas as pessoas julgam sempre que sabem muitas coisas. E julgam sobretudo que somos todos iguais, dá menos trabalho, olha-me só a balbúrdia confusa que seria reparar que somos todos únicos. E por isso não, a dor não ficou lá nesses países. Regressa intacta, contigo. Tentas então aqui, aonde não vinhas há tanto tempo, o sítio onde foste tão feliz e pode ser, pode bem ser, que te deixe adormecer na sua paz de memória. É isso que anseias, o coração a bater mais depressa, mas o sítio, a começar pela rotunda, mais uns edifícios que também cá não estavam, já não é o mesmo. Sim, eu sei, parece-te o mesmo, ainda há coisas que permanecem, o paredão antes da areia, a barraca onde se alugavam os guardasóis para todo o Verão. Tu estás cá de novo, mas já não és tu, vinhas à procura de uma criança com outra vida à volta. Já cá não estás. E a dor, reparas, ainda lá. Nem para o lado, na imensidão do mundo, nem para trás, o passado é só isso. Só tens caminho para a frente."

- RODRIGO GUEDES DE CARVALHO

2 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Ao deparar-me com isto, é mesmo isto que eu sinto: "[...] e assim aprendeste a coisa mais importante quando se escreve, que há coisas que simplesmente não têm palavras para elas."

Amor é tudo o que existe entre nós.

E, para ti, mando-te um abraço no escuro.