Das minhas preferidas:
"Sendo as coisas o que são, continuamos, apesar de tudo, a suspirar para que sejam de outra maneira.
Como se percebe, isto aplica-se a tudo. [...] Mesmo que não estejamos demasiado insatisfeitos, mesmo que reconheçamos que nem tudo é mau, mesmo que não nos mobilizemos para grandes feitos, grandes mudanças, grandes buscas, de vez em quando suspiramos fundo, puxamos uns ais e acalentamos, ainda que silenciosa, a esperança de que tudo possa ser melhor.
Muito melhor, porque já agora não há razão para sermos modestos nos nossos pedidos mudos.Sendo as coisas o que são, ainda assim sabemos que umas são mais aceitáveis que outras, que umas são mais sensatas que outras, que umas resultam mais simpáticas, mais eficazes, mais lógicas, enfim, que umas são mais que outras.
Sendo as coisas o que são, e sabendo nós que a adultícia parece ser exactamente o estado de maturidade que nos permite aceitar isto mesmo sem grande revolta nem enorme zanga e, a partir daí, arranjar estratégias de gestão de uma realidade que parece produzir-se de forma autónoma, às vezes temos razões para ter saudáveis dúvidas.
Às vezes, a propósito e também a despropósito, interrogamo-nos se o conformismo necessário ao nosso conforto não tem tantas zonas de desconforto que liquida a relação custo-benefício.
Às vezes, olhando à volta o que está perto, e também o que está longe, apetece-nos mandar às urtigas a sensatez, o deve ser, uma espécie de ordem natural das coisas que corre com os dias, e partir à aventura, à descoberta de como é que as coisas, muitas coisas, seriam se não fossem como são.
A maioria de nós fica pelo caminho, porque se distrai, porque se ocupa com estímulos directos que precisam de respostas imediatas. Alguns desistem pela consciência da enormidade da tarefa ou por não vislumbrarem a ponta por onde se pegar.
Felizmente, para todos nós, que há sempre alguns que, por boas ou más razões, nunca crescem o suficiente para saberem lidar com o que acontece por perto.
São eles que apontam o futuro e servem de vanguardas à nossa temerosa descrença e à nossa incipiente esperança." (Isabel Leal, 2010)
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