Enchi-me de uma dose de coragem e li para ti ontem, em frente a todas aquelas pessoas, porque precisava de me despedir. Quando pousei o papel, olhei para todas as caras que me observavam e tentei explicar-lhes este porquê, mas a emoção era tanta que me descompus por momentos e precisei fazer uma pausa para respirar fundo e deixar que principalmente tu, mas também os outros me ouvissem. E coloco estas palavras aqui para ti também, para que de cada vez que alguém as leia, tu te lembres de mim a lê-las para ti e as possas ouvir de novo.
Então comecei:
Olá avô!
Peço desculpa por, antes de mais, ter chegado atrasada. Escrevi para ti e estou a ler para ti, na esperança que me perdoes o atraso. Acho que não sabes, mas sempre gostei de ler - e de escrever - e uma das simples coisas que ambiciono fazer é ler principalmente às crianças que precisam de histórias diferentes das delas e aos adultos, aqueles como tu, com mais vida, porque cedo começam a ver o mundo a preto e branco e um bocadinho de cor nunca fez mal a ninguém. Mas ainda não o fiz, por isso espero que te sintas honrado, se não é demais a palavra, por ser contigo que estou a começar.
Neste momento as minhas palavras não são tão férteis quanto o coração deseja, nem ocupam a linha de forma bela.
Então é isto que se sente quando um avô não resiste. Foste marido, pai, avô, bisavô, amigo. Agora partiste, sem um aviso, e deixaste-nos um sentimento que parte o coração de tão vil crueldade.
Por esta altura já te imagino num lugar melhor, onde não existam sequer degraus que te atrasem o passo, estejas onde estiveres. Oxalá tenhas levado uma bengala contigo, ou andarás ainda longe desse destino desconhecido, quase tão longe quanto estes 87 anos que precisaste de esperar.
Todos conhecemos o sofrimento por que estavas ultimamente a passar e, bem lá no fundo, acreditamos que esta tua partida precoce foi uma vontade que alguém mais superior do que o homem te concedeu. Uma partida precoce, digo-to eu, porque nos parece sempre cedo a hora a que partem todos aqueles que amamos. Mesmo assim, nem eu nem ninguém ficou amargurado com esse teu desejo.
Decerto estás também tu angustiado por veres o quão afectados estamos. Ainda ontem e mesmo hoje falávamos de lembranças, pequenas coisas de que nos íamos lembrando e que te fazem continuar vivo e perto de nós. Até as netas mais pequeninas ficaram sentidas com a tua partida: uma delas está ao meu colo enquanto escrevo e diz que vai ter saudades tuas, ao mesmo tempo que me abraça, não escondendo algumas lágrimas. Para elas tornaste-te uma estrela, a mais brilhante, como ainda hoje me ensinaram.
Lembro-me da última vez que me deste um beijinho, mas tu não te lembras do meu último. Estavas cansado, mal abrias os olhos. Assim, aqui tens mais um. Guarda-o porque ainda quero demorar muito a chegar perto de ti. Sinto-me na obrigação de te dizer que toda a família está ansiosa por te mandar um abraço, pelo que vou servir de mensageira e enviar-to também. Em tom de brincadeira, como estavas em muitas das vezes, dou-te desta vez eu um conselho: aproveita enquanto a tua mulher, a avó, fica por aqui, depois espera-te uma dose eterna de perguntas sobre a tua ausência. Já sabes como é, a Belmira nunca muda!
Despeço-me com duas linhas de um livro que só agora estou a conseguir ler com alma de quem compreende. O livro dá pelo nome de “O Principezinho”:
«Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.»
Mas o que não é invisível aos olhos e enternece o coração é o amor que todos quantos estão aqui te têm.
Até logo avô!
Não me lembro de alguma vez ter tremido tanto. Mas consegui ler da forma que queria. Consegui estar calma, metodicamente pausada, a rir e não chorar, mas precisei de me conter muito quando falei do beijinho e olhei para ti e quando ouvi a avó chorar e o pai com as mãos no rosto. De facto, nunca tinha visto o pai assim. Nunca o tinha visto chorar sequer, só nos últimos dois dias.
A prima Caty também leu antes de mim aquelas duas páginas repletas de recordações e lembranças que o primo Nuno esreveu a pensar em ti. Tenho pena que ele não se tenha despedido de ti, ficou tão transtornado por não poder chegar a tempo. Ridícula falta de voos.
Mas foi bonito. Agradou-me ver todas as pessoas que apareceram para te recordar. Agora tenho outro último beijinho que te dei. Foi de facto o último...
Oh avô, vou ter tantas saudades!
3 comentários:
dizer adeus...
custa, sim, é verdade! então dizê-lo a uma pessoa que amamos por quem temos um carinho especial, custa aida mais! mas como já te disse o amor não se perde com o tempo, é um sentimento que por tão profundo que é, permanece presente em nós! e essa imagem que tens, de um avô que te foi tão tão importante, que te reconfortava vai continuar guardada na tua memória e eu tenho a certeza que sempre que precisares, ele vai estar ao pé de ti, vai cuidar de ti e tenho a certeza que neste momento ele se sente o avô mais orgulhoso por ter uma neta tão querida como tu! Eu acredito nisso, johzinha! E gabo imenso a coragem que tives-te ao escrever e ler algo tão bonito, tão sentido como o que escreves-te. E eu só gostava de poder ter estado contigo nesse momento. Mas como soube hoje, por aqui, quero que saibas que podes partilhar comigo a dor que tens, não quero que sofras sozinha! Eu estou aqui, sempre para ti, para te ajudar, apoiar e dar carinho sempre que precisas.
um beijinho muito grande cheiio de força*
"A morte não termina com um amor verdadeiro. Ela apenas o adia um pouquinho". M. Paglia
Eu acredito nisto.
Vai ver, a sério é lindooooo :')
oh, ele não sabe que estou assim, qe nao aguento mais q me qero afastar, ele nao sabe!
Oh sofi eu já te disse todo o amor que tenho por te ter como amiga :')
E também já te expliquei que apesar de não teres estado cmg naquele momento estás agora e sempre que eu precisar do teu apoio. Aliás, nem preciso de to pedir, porque é um apoio que existe até naquelas horas que eu menos preciso!
Eu também acredito nisso meu amor.
Obrigada, muito obrigada *
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