segunda-feira, 26 de abril de 2010

"Se ao menos pudesse ocupar-te sem a estranheza da dor, acordar de novo dentro da tua cabeça, tão interior à minha que nem pressentiste que eu podia estar a desaparecer. Foi o Pascoal quem o pressentiu. O Pascoal que vive entre notas de música e gritos de dor, o Pascoal médico que substituiu o sentido pela salvação, e que adormece diariamente com um morto a menos sobre os sonhos. Quis salvar-me, eu não deixei, e agora tem remorsos - o prémio contínuo da sobrevivência. Tu dir-lhe-ás:

- Não podias fazer nada, esquece.

Tu és o único que não me pode esquecer. Esquecemos alguma vez uma parte do que somos? Esquecemos apenas o que podemos isolar na lembrança - e há muito tempo que tu já nem sequer te lembravas de mim. Se desviar os olhos do presente de ti encontro-te na ressaca da nossa amizade, comentando o meu arrivismo ou o meu mau gosto com algum conhecido de passagem.

Ou deixando comentar, o que é o mesmo. Por isso não posso desviar-me do que fomos, a sós, a dois. Para apagar do céu as palavras más que também eu disse ou deixei dizer sobre ti.

Tantas, tão pobres nos seus andrajos de cobardia.

Trago-te no riso enterrado. Nas lágrimas que me lançaste, escadas de incêndio para a sabedoria da felicidade, na pele escaldada pelo brilho da noite, depois do mar. Falámos demasiado para que eu recorde do que falámos, vivemos demasiadas vidas para que eu as possa separar. Para que eu me possa separar de ti. A memória tende a desfibrar-se, víscera velha, nesta condição a que chamarei apenas imaterial para não te assustar. Vejo tudo, continuamente, o espectáculo da vida interfere com os sentidos da minha deambulação ao passado.
Mas o que é o passado?"

INÊS PEDROSA, in "Fazes-me Falta"

1 comentário:

G disse...

instead of faaling for words
I'm falling for You