sábado, 17 de abril de 2010

Por entre palavras antigas

Este é um dos que mais gostei de escrever, sabe-me a muito. Lembro-me de quando o escrevi, estou a ver-me a pôr as palavras em ordem naquele dia. Encontrei-o à pouco, quando fui remexer em escritas antigas:


Ela estava completamente alheada do que a rodeava. Só a brisa ainda a fazia sentir-se acordada. Enquanto as ondas rebentavam, revoltas, e as crianças corriam em direcção à meta, ela permanecia imóvel, fitando o horizonte, a linha tão imaginária quanto a sua felicidade.
Havia dias desde o último sorriso que se lembrava de esboçar: natural, sincero, espontâneo. Lembra-se bem: ele olhou para ela, afastou a madeixa de cabelo que lhe escondia a expressão e disse, no tom mais apaixonado que ela lhe conhecia, que a amava. Depois, colou os seus lábios à sua pele num beijo demorado e ternurento. Foi aí que sorriu, imediatamente antes de ele se afastar.
Foi desde essa noite, em que o frio característico se opunha ao calor dos sentimentos, que ela se encheu do maior vazio que já havia experimentado. Passava os dias ali, na praia, na esperança de ter o mais curto pousar de olhos sobre a figura dele. Em boa verdade, não sabia o que fazer se o visse, se devia falar, dirigir-se a ele ou continuar o que ele começou.
O adeus. Foi o que de mais ingrato ele lhe poderia oferecer. Naquele momento, sentiu uma dor desmedida na voz dele e por muito que agora se arrependesse por não ter tentado impedi-lo, na altura não foi sequer capaz de pensar. A dura realidade tomou-a de assalto e ela sucumbiu a um terrível estado de incredulidade. E, na impossibilidade de se debater, viu-o partir.
Agora era tarde, mas ela era incapaz de deixar libertar o sofrimento que ele lhe provocou. Porque se assim fosse, em breve ela esqueceria o rosto, o cheiro, a imagem, os sentimentos. Deixar-se sofrer obrigava-a a recordar cada momento que haviam partilhado. E assim, tudo o que restava da sua história era mais lentamente apagado. Os contornos iriam permanecer, tempo nenhum os poderia apagar, mas tudo o resto, todos os pormenores, mais ou menos importantes, iriam involuntariamente abandoná-la.
E ele? Seria ele indiferente a todos os detalhes que dela pudesse perder? Estaria, ou não, disposto a deixá-la afogada na maior das dores? No maior dos sofrimentos? Até onde estaria ele disposto a permitir o fim do que nunca deveria sequer ter terminado? Não, ela não fazia a mais pequena ideia. E sem querer, estas dúvidas ocupavam-na durante todo o dia, a qualquer que fosse a hora.

3 comentários:

MaryJane disse...

dia 21 de maio podes contar que estou em Lisboa de certeza!!

Joana Figueiredo Gonçalves disse...

esse vai ser o nosso dia!
tenho que te dzr um olá (:

Anónimo disse...

tão bonito. quase que consigo imaginar e sentir cada momento :$