Falam das suas vidas, dos problemas profissionais, disto e daquilo, menos do que os traz sempre de volta um ao outro. Não falam disso, mas sabem o que ambos pensam disso. Outrora estavam apaixonados e não havia nada neste mundo capaz de os impedir de se quererem, mas houve um momento em que o amor acabou por ceder ás dificuldades que os afastavam. Ele teria feito tudo por ela, mas ela só queria segurança, uma vida sem complicações, e não acreditou que o amor fosse suficiente. A paixão passa, fica a razão, fria e calculista.
O empregado interrompe-os, serve os pratos que ela encomendou enquanto esperava por ele. Há uma pausa na conversa. Ele distrai-se momentaneamente, olhando em redor. O restaurante está cheio. Ao fundo, repara, uma cara conhecida da televisão almoça com a família; duas mesas ao lado, um casal acende um cigarro. O empregado retira-se, voltam a ficar sozinhos. Retomam a conversa, animados por um tema qualquer, enquanto comem com o tempo contado, com a vida pendente do que não dizem.
Saem do restaurante já atrasados para o trabalho, caminham um pouco, lado a lado, até os seus caminhos se separarem. Despedem-se, ele segura-a um segundo pela aba do casaco, como não querendo deixá-la ir. Dizem adeus, até depois. Ele vai a pensar que quer ser feliz com ela. Ela vai a pensar que quer ser feliz o tempo todo. Deixam-se, felizes pela hora que tiveram, mas ainda assim estão a afastar-se pelas razões práticas da vida que persistem em negar-lhes o que um dia os juntou."
- TIAGO REBELO, Crónica "Hora de Almoço"