segunda-feira, 2 de agosto de 2010

"Desfasamento"

"(...) Às vezes, muito lentamente, vamos interiorizando que o normal evoluir das pessoas e dos acontecimentos determina que tenhamos percebido uma coisa quando já não era necessária ou que valorizemos o que já estamos a perder. De muitas formas, acedemos, assim, à noção de desfasamento.

O desfasamento que existe entre nós e nós, nós e os outros, nós e o mundo que nos rodeia e, também, entre o mundo que aprendemos que devia ser e o mundo tal qual é.

Para qualquer lado que olhemos, parece que a realidade se desdobra, que a dupla direccionalidade é um fenómeno genérico, que um imenso estrabismo divergente aflige o mundo, as pessoas e os acontecimentos.

De algum modo sabemos que não podem existir situações acabadinhas e arrumadas, leis que se apliquem justamente a toda a gente, princípios que não conheçam excepção. Ainda que não apreciemos, sabemos que a distância entre o que somos capazes de imaginar e o que podemos executar, o que somos capazes de pensar e o que temos recursos para pôr em marcha, é sempre demasiada. Sendo dado que não temos acesso a toda a realidade e que precisamos de mapas mentais que a tipifiquem, simplifiquem e nos ajudem nos trajectos que temos de fazer, precisamos mesmo de direcções seguras e bem marcadas. Aguentamos, de facto, uma certa quantidade de desfasamento. Mas é preciso que alguém saiba a dosagem certa antes que a desfragmentação aconteça. Essa, não tem retorno, sentido ou tino."

ISABEL LEAL, in Crónica "Desfasamento"

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