terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Vincos

Quando passei para o lado de lá da estrada já levava comigo a sensação de uma menina que, ao contrário dos pares, saltava com um pé e o outro para tocar somente as riscas pretas da passadeira. Correr pelo branco é para quem carrega a despreocupação dos dias leves que cedo acabam para deixar chegar o seguinte.
Ao olhar esses sinais que o tempo, lembro-me, não tinha esculpido nos vincos que a tua pele agora exibe, apercebi-me de que já sabia o que ao corpo teimava em fazer escapar. Vincos como esses que hoje observo são de quem tem decididas as linhas do que jamais será, pensamentos que bruscamente penetraram onde o nosso incêndio começou por esmorecer.
Depois da passadeira, e olhos no chão que o futuro já partiu sem eu saber, ainda me seguras a mão. Que eu não sou de quem nunca me fez vaguear à margem do rio em contra-corrente... Tal qual tu e eu. Nessa única mão em que uma história se entrelaça resido eu e os dias em que esperei que essa mesma mão tocasse as minhas costas quando repousava o corpo sobre a areia de uma praia da marginal, onde perdi conta aos quilómetros e às tardes em que o cabelo corou ao sol. Pessoas passavam e outros corpos como eu ali sentados escorriam os males do dia.
Já na praça aberta que convida o rio a entrar, os mesmo males foram pesados por ti num prato de uma balança certamente diferente da minha.  Efeitos da água doce, para o caso de querer desculpar alguém.
Entretanto envolta na preferência de observar as histórias dos outros do que tornar real o fim da nossa, ouvi-te um início de uma série de palavras que me iriam trazer a ti.
- Sim.
É tudo quanto posso dizer quando a simbiose se consegue com as cores de céu em fim de dia. Está tudo de acordo contigo, só falto eu.
- Não demorará muito, já conhecemos o caminho.
E depois da minha voz levaste as duas mãos aos bolsos, pois já andavam por aí à pendura sem sabrer onde se meter. Nesse movimento o alívio e ao mesmo tempo a disfarçada desilusão de quem tentou reconstruir a história e nesse caminho se perdeu.
-  Por ali? Vamos embora que o relógio parou para nós.

Encostados a imagens que haveríamos de deixar para trás, caminhámos lado a lado até à última rua que eu iria tocar por ali. Quem sabe um dia começa o relógio a sentir andar a corda num princípio que Newton chamava da ação e reação.

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