Consegues recordar aqueles momentos que fotografas na
memória? Por exemplo quando o comboio chega naquele fim de tarde que para ti
significa mais uma mansarda de dia e a música certa está a tocar no teu bolso.
O vento sopra-te a vida e madeixas aleatórias de cabelo, mas só a ti. Para te
acordar de um pesadelo em que adormeceste há dias e de onde ainda hoje não
acordaste. E nesse exacto frame olhas para um lado e para o outro tal e qual
como se quisesses atravessar uma passadeira na Avenida da Liberdade. E o
comboio que não aparece. Tu a quereres atravessar aquele dia, e ele a ficar
preso neste minuto e no seguinte, fazendo-te repensar desejos e medos.
Sentes-te observada por umas três pessoas, sabes como é? Sim, sentires-te nua
aos olhos daqueles três corpos que nunca viste e que partilham uma compreensão
que não sabes medir. Secalhar até nem é nenhuma. Mas lêem-te com o mesmo olhar
que lanças à mala que preferias deixar para trás.
Pequenina, escondes-te atrás da linha amarela que as normas
de segurança decidiram que não deves ultrapassar. Escondes-te em ti, foges por
entre os cabelos que o vento insiste em empurrar-te para os olhos. Não sabe ao
mesmo que ter a areia a invadir-te a pele, cortante pela velocidade, mas esconde
uma réstia de tortura contextual que não sei explicar.
Anyway...
Sabes que não pára por aqui. Que há por aí alguma coisa que tens que
descobrir com a mesma surpresa que te fica estampada no rosto naqueles dias em
que és presenteada só porque sim, porque a razão não preenche a totalidade das
coisas. A surpresa pode até surgir daquilo que já conheces. Como eu dizia, não
há nada que pare por aqui.
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