"De manhã cedo o carro segue em direcção a Lisboa na companhia do mar. O Sol baixo encandeia, e por instantes fecho os olhos e deixo-me levar pela tua imagem, embalado na doce memória do teu corpo. Sou marinheiro em caravela e o oceano a meu lado. A maré sobe e enche-me de ti, dos teus olhos que se fecham em silêncio no momento em que me amas. Não há mais espaço, querida. O meu peito é um casco onde nada mais cabe. Só o coração no porão, lastro que guarda um continente de perfumes exóticos e especiarias, cores e matizes que os homens desde há muito buscam. Por dentro vou repetindo, saboreando as palavras com lentidão gulosa: «Navego à bolina do teu vento». De repente não sou mais barco, mas o balão silencioso que nos transportou pelas planuras de África, numa manhã semelhante, feita de ocres e palha, e manadas de antílopes de corpo redondo como o das mulheres, galopando debaixo de nós. O mundo virou ao contrário, e o mar é agora céu da mesma cor. E o vento que nos impele com o mesmo cuidado de mão de mãe. Navego à bolina do teu vento, e amo-te de forma imbecil, sem restos de prudência (...)"
- NUNO LOBO ANTUNES, in "Vida Em Mim" (pp. 57)
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