terça-feira, 3 de janeiro de 2012

«O tecto protege ou limita?»

"A mãe argumentava, o pai desistia, e eu pasmava. Perante um adolescente, a primeira preocupação do médico é criar pontes, numa espécie de operação de engenharia militar que perante enxurradas que alargaram os leitos, arrastando consigo gentes e pedras, para que se possa aceder à outra margem, colocam por medida barras de metal, ainda que transitórias, mas por onde, um a um, homens gritam que já não estão sós. Temos a noção de que algures no tempo essas pontes agora caídas e intransitáveis permitiam contactos, permeavam influências, ditavam comportamentos. Às vezes não consigo, desisto, e enquanto me despeço e fecho a porta do gabinete, largo a mão, fixo o horizonte, e deixo que a corrente os leve. O próximo...
É buscando a minha própria humanidade que procuro decifrar os outros. Às minhas misérias vou buscar a tolerância que gostaria que tivessem comigo. Nos meus erros não encontro consolo, apenas a antecipação da mortalidade. Exijo muito, cumpro pouco. Smpre me fascinou o dilema que se coloca ao saltador em altura. Bateu o recorde, ganhou o campeonato. Pode ficar por aí, colher os aplausos, baixar o pescoço e recolher a medalha. Chorar durante o hino. A alternativa é pedir para subirem a fasquia só mais um centímetro, derrubar a barra e reconhecer o seu limite. Nessa circunstância, a que soarão os aplausos? Será que por dentro se apupa por não ter voado mais alto? O tecto protege ou limita? A competição desenrola-se dentro de nós. Somos o palco e o competidor, juiz e espectador, e, no fim, perdemos sempre."

- NUNO LOBO ANTUNES, in "Vida em Mim"

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