terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Em perturbações do desenvolvimento? «Nivelar a corrida»

"Mais do que médico, caro amigo, sou relojoeiro. A sério, tento afinar o relógio da existência, acertar horas e minutos para que cada etapa seja vivida sem soluços inúteis ou evitáveis. (...) Eu sou uma espécie de oficial de partidas, e o meu objectivo é nivelar a corrida, pôr todos os meninos em condições de igualdade e cronometrar-lhes os tempos. Às vezes sinto-me chefe dos escuteiros, homem grande de calções, levando os meus meninos por trilhos por onde passei. A angústia, caro amigo, é saber que sou um homem maduro que brinca à cabra-cega, porque muitas das crianças que acompanho andam aos apalpões, de olhos vendados sem o saberem. Sabe como é andar na estrada e pelo espelho retrovisor ver os outros que nos perseguem? A sensação que tenho em relação às crianças que acompanho é semelhante. Já fiz o percurso, conheço as armadilhas e só quero que me acreditem. (...)
Como talvez saiba, hoje em dia dedico-me sobretudo a crianças de futuro ameaçado. Não que a sua vida esteja em perigo, nada disso, mas porque correm o risco de «falhar». A noção de falhanço não é tanto vista como problema actual, mas como projecção no futuro, antevisão da sua qualidade de vida, incapacidade para criar e aproveitar oportunidades, em suma, de ser «alguém». No fundo, os pais querem cuidar do futuro dos filhos, criar condições de realização profissional e pessoal quando eles próprios já não tiveram forma de intervir. Exercer influência à distância, prevenir, dar instrumentos. (...) Já escrevi que a maior parte dos pais faz o melhor que pode e sabe, num quotidiano de problemas sem solução segura. Quem me procura vive na angústia de ver os filhos cortar amarras demasiado cedo, e serem arrastados por correntes que não dominam, para destinos que não controlam."

- NUNO LOBO ANTUNES, in "Vida em Mim"

1 comentário:

O Nuno disse...

Escolheste uma área de estudo complicada, mas acredito que vais ser uma "gigante" que vai ser capaz de ver mais além e deitar abaixo alguns dos preconceitos mais infelizes da história da humanidade.
Já agora fiquei com vontade de dar uma vista de olhos a essa obra, parece ser bem interessante.