Naquela noite, debaixo da chuva,
duas silhuetas esconderam-se sob uma varanda. A novidade era-o pela segunda
vez, mas das gotas molhadas já se sabia de cor a sensação. No canto de uma
praça para boémios, duas mãos procuraram o conforto que evitavam precisar. Num
olhar, um procurou o outro e a segurança tremeu. Abalaram-se convicções que se
começavam a perder de vista e horas depois, oito, da noite para o dia, na mesma
praça, já não eram duas as mãos que não se deixavam.
Na tarde que se seguiu, com olheiras e entusiasmo mal disfarçados, um despediu-se do outro com a promessa de ali voltar (definitivamente). E nesse momento eram os minutos que não paravam de avançar, o relógio por avariar. A tarde insistia em voar em direcção à noite, mas nunca acelerando o reencontro que já demorava. Olhos nos olhos, força no corpo para não parecer frágil, ela tentou disfarçar entre finas madeixas de cabelo o medo de não regressarem. Deixou-se abraçar por ele para tentar que a ausência deixasse que lhe ocupassem o lugar e depois, querendo reter aqueles segundos por dias, deixou os pés em bico para o entrelaçar nos seus braços menos longos. Com a dificuldade que horas antes não adivinhava, viu-o então partir. Esquecendo os sussurros de quem anda numa roda viva para voltar a casa e começar o jantar, seguiu-lhe o movimento de quem descia as escadas quando na verdade só as quer voltar a subir. Só quando se viu forçada a partir abandonou o palco daquele dia.
Meses depois, ela lança à praça o destino de um dia. Que ali perto dois mundos se desencontraram para pouco mais voltar a encontrar. Quarteirões acima, ou abaixo se o dia tiver sido mau, perdeu-se o trajecto. Um dos lugares vai vazio e a porta trancada para não deixar entrar. É que ela abre por dentro, se se justificar, mas do lado de fora não existem passes de livre trânsito para entrar.
Mesmo assim, tomou-lhe o (des)gosto e correu para um chão que já pouco lhe diz. As mãos iam trémulas a denunciar que a viagem devia ficar por ali. Mas não ficou. Atrás de uma parede, encolhida no carro que resistia na rua, deixou passar os momentos que quis numa timeline que ainda não aprendeu a guardar, observando janelas despidas que já não ia encontrar. Por fim, quando o corpo mostrava sinais de começar a dobrar as fronteiras da resistência, ela desvia o olhar para o habitáculo, deixa cair os braços sobre o colo, perde uns segundos e sabe que é tempo de partir.
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