"Não te vou procurar. E vim para casa sabendo que pela primeira vez não o faria, interrogando-me como se faz isto, repara a impossibilidade, aprender a fazer como não se faz. É então isto a morte. (...) Não te podendo procurar porque és agora nada, a morte são uns olhos de cão aos pés do teu lugar da cama, a olhar para mim, a olhar para onde te via. (...) A tua morte matou-nos. (...) Levanto-me. Sento-me. Ergo-me. Caminho. Dou a volta. Regresso. Os passos do cão atrás de mim. As unhas dele no soalho. Poderia talvez dizer o teu nome. Se eu fosse poeta acreditaria que isso havia de te ressuscitar. Dizer o teu nome. Pensar no que sempre ouvimos dizer. Que as pessoas não morrem desde que pensemos nelas. Desde que as mantenhamos junto a nós, desde que digamos os seus nomes, o que lhes garantia existirem e serem únicas e não serem mais ninguém. (...) É então isto a morte. Não estares lá e ao mesmo tempo não estares em sítio nenhum, na casa de banho, na sala, a desentortar a torneira do pátio, a regar as plantas, no supermercado, nem sequer na vizinha, não foste visitar a tua prima afastada doente, não estás à espera de um táxi na avenida, não estás Mariana."
- RODRIGO GUEDES DE CARVALHO, in "A Casa Quieta"