sábado, 8 de maio de 2010

"A História de Edgar Sawtelle", um excerto

"Queriam um bebé. Era o Outono de 1954 e estavam casados havia três anos. Converteram um dos quartos do piso superior num quarto de criança e compraram uma cadeira de balouço e um berço com um mobile e uma cómoda, tudo pintado de branco, e passaram a dormir no piso de cima, no quarto em frente. Na Primavera, Trudy ficou grávida. Passados três meses abortou. Quando chegou o Inverno, estava novamente grávida, e voltou a abortar aos três meses. [...]
Em finais de 1957, a mãe de Edgar voltou a engravidar. Esperou até ter a certeza, e depois um pouco mais, para dar a notícia no Dia de Natal. O bebé deveria nascer em Julho. [...]
À noite tratavam da louça. Ela lavava, ele secava. De vez em quando, Gar pousava o pano sobre o ombro e rodeava-a com os braços, pousando-lhe as mãos no ventre para tentar sentir o bebé.
- Toma - dizia Trudy, estendendo-lhe um prato fumegante. - Chega de ronha. - Mas ele via-lhe o sorriso reflectido na janela, sobre o lava-louça, por entre a geada. Numa noite de Fevereiro, Gar sentiu a barriga contorcer-se sob a palma da sua mão. Uma saudação de outro mundo. Nessa noite, escolheram um nome de rapaz e um nome de rapariga, fazendo ambos contas ao tempo e pensando que tinham passado a barreira dos três meses, mas sem se atreverem a mencionar o assunto.
Em Abril, cortinas cinzentas de chuva varreram o campo. A neve misturou-se com a lama e dissolveu-se num só dia, e um vapor de odores vegetais encheu o ar. Ouvia-se de todos os lados a água a cair das goteiras. Depois veio uma noite em que o pai de Edgar acordou com os cobertores puxados para trás e a cama encharcada no lugar onde Trudy dormia. Sob a luz do candeeiro, distinguiu uma mancha vermelha nos lençóis.
Encontra-a na casa de banho, aconchegada na banheira de pés. Tinha nos braços um bebé perfeitamente formado, um rapaz, a sua pele como cera azul. O que quer que tivesse acontecido, acontecera depressa, com pouca dor, e embora ela tremesse como se chorasse, não fazia qualquer som. Tudo o que se ouvia era o friccionar da sua pele contra a porcelana branca. O pai de Edgar ajoelhou-se ao lado da banheira e tentou abraçá-la, mas ela estremeceu e sacudiu-o, então ele sentou-se à distância de um braço e esperou que o choro se interrompesse ou começasse de verdade. Em vez disso, ela debruçou-se para a frente, abriu a torneira e mergulhou os dedos na água até lhe parecer quente o bastante. Lavou o bebé, sentada na banheira. A mancha vermelha da sua camisa de dormir começou a dar cor à água. Pediu a Gar que fosse buscar uma manta ao quarto do bebé, embrulhou a forma imóvel e colocou-a nos braços dele. Quando Gar se preparava para sair, ela pousou-lhe a mão sobre o ombro, e então ele esperou, olhando-a quando achava que devia e desviando o olhar noutras vezes, e o que viu foi Trudy a recompor-se, partícula a partícula, até que por fim se voltou para ele, olhando-o como se dissesse que sobrevivera."

DAVID WROBLEWSKI, in "A História de Edgar Sawtelle"


A minha pele arrepiou-se um tanto. Voltou a arrepiar-se agora. A continuação deste momento mói-me também, pelo que vou deixá-lo por aqui. Este livro está a ser magnífico.

2 comentários:

Joana ' disse...

Ainda estou boquiaberta.... Que texto. É daqueles que nos faz ter vontade de ler o livro todo, de uma ponta a outra.

E em resposta ao teu comentário: Preciso de saber se, quando não está comigo, também me ama; se quando estiver distante, vai continuar a amar-me; se pensará em mim quando a saudade apertar; se irá querer estar comigo e aturar os meus defeitos... Preciso de saber tanta coisa ainda.

Sofia disse...

Bem, parece que não fui a única a ficar com vontade de ler este livro, que parece realmente ser fantástico. Gostei muito mesmo!
Vou assim que puder ver se o vejo na feira do livro. E por falar nisso, como sei que adoras ler, aconselho-te a ires lá, aqui em Lisboa, que aquilo perdes-te e derretes-te com a quantidade de livros com histórias fascinantes que têm por lá. Vai lá ver :)