Estava tão desconcentrada que preferi levantar-me. Fui em direcção ao corredor para ir buscar um casaco, mas voltei atrás e preferi fechar completamente a janela da varanda: havia uma corrente de ar desconfortável a vaguear pela sala.
À medida que levei a palma da mão contra o vidro olhei para a rua e dei conta que estava a começar a chover. Era uma chuva tímida daquelas que fazem por não se notar, mas que molham tudo aquilo em que tocam!
Em vez de fechar a janela, preferi ir até lá fora. Tinha um olhar priveligiado sobre o rio Tejo e apeteceu-me tirar partido disso. Ainda que difícil, era possível ver leves oscilações na água, uma pequena agitação para um pedaço tão grande da natureza. Pareceu-me, do alto daquele oitavo andar, que alguém estava a debater-se contra um não sei o quê! Ia pondo um pé na água, outro na terra num ritmo sem ritmo. De um dos lados, não me consigo lembrar de qual, ia surgindo ao longe um dos muitos comboios que por aqui passam. E com a sua imagem cada vez mais precisa caminhava um som gradualmente mais alto.
Reparei que quem quer que estivesse a debater-se com o que parecia ser uma vontade moribunda de abandonar o chão que pisava ficou hipnotizado com o comboio que ali vinha.
Instantaneamnete, com a melhor das minhas terríveis velocidades, desatei numa corrida desenfreada pela vida de alguém que não sei quem.
Quando cheguei lá, lá em baixo!, ao pé do rio!, ao pé do comboio!, paralisei. Vi um coração enrolado. Encostei-me no ar mais pesado que soprava. Não, secalhar sou eu que estou a imaginar demais.
Mas secalhar...
David Fonseca - A Cry 4 Love
(... foi o meu coração que fugiu para se deixar salvar por mim. E por ti?)
Sem comentários:
Enviar um comentário