sábado, 25 de abril de 2009

Todo o tempo do mundo

Passamos a vida a falar do tempo.
Do tempo que faz e que é demasiado frio, demasiado quente, demasiado chuvoso, demasiado seco, demasiado qualquer coisa.
Mesmo que concordemos que somos uns priveligiados por viver neste clima ameno em que o uso da palavra "demasiado" é sempre um exagero, o facto é que fazemos conversa aproveitando as condições climáticas como se fizesse sentido ou merecesse.
Quando não é deste tempo que falamos, recorremos ao outro. O tempo cronológico, medido pelo relógio, pelo correr dos dias, dos meses e dos anos.
Desse outro tempo, então, parece que as queixas não têm fim. Dizemos que "o tempo não estica", que "não temos tempo para nada", que "o tempo foge", que "o tempo não pára", que "andamos sempre a correr" e mais umas dúzias de aforismos que revelam sempre o mesmo: a nossa quotidiana luta com o tempo ou contra o tempo.
Claro que podíamos abordar o assunto de outra maneira. Podíamos, por exemplo, dizer que tentamos fazer mais do que somos capazes, que não medimos bem os nossos próprios limites, que nos metemos em coisas a mais. Podíamos achar que ao querer ficar bem nos diversos retratos, evitamos dizer "não", nos comprometemos com objectivos irrealistas ou avaliamos mal as tarefas ou os nossos recursos. Podíamos considerar a possibilidade de sermos desorganizados, complicados, desarrumados, baralhar assuntos e prioridades. Podíamos mesmo assumir, de vez em quando, que somos lentos, enrolados e empastelados.
Mas, qual quê?
O problema é sempre do tempo, essa terrível unidade de medida, indiferente às problemáticas humanas.
E porque o tempo tem as costas largas, conseguimos perceber o imcompreensível: que processos de toda a ordem - no tribunal, no diagnóstico e tratamento de uma doença, no pagamento de uma dívida, na feitura de uma lei, no atendimento de uma reclamação, no pedido de um documento, na implantação de uma medida, até num mero encontro de amigos em que a regra é o atraso - se arrastem como se todos nós dispuséssemos de todo o tempo do mundo. Que, por acaso, não temos.


Crónica de Isabel Leal




The Strokes- You Only Live Once

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