segunda-feira, 27 de junho de 2011

«Não sei de mim se não contigo»

A tela exibia cenas a decorrer sob as cores idílicas do entardecer. Com o fim de dia a pintar o quadro desenhava-se um ambiente em que a complexidade da acção se debruçava sobre duas figuras com destinos diferentes. Adivinhava-se o improvável, o desconhecido.



Recolhida na cadeira, no mais íntimo dos seus desejos, a vontade dela fugia para esse encontro, quase um outro encontro, em que esteve desde logo a descoberto, céu aberto, noite cerrada, tudo quanto desejava que a envolvesse: o improvável numa combinação do que ninguém esperava ver resultar. A combinação, logo que criada, mostrou-se indissociável. Eram dois contra todos, o eufemismo a ganhar terreno à metáfora negra elaborada pelo mundo.

Desnorteada, ela encosta-se ao ombro que a acompanha. O gesto oferece-lhe a segurança que o fim de tarde lhe rouba. Enquanto conseguir afastar o frio próprio do momento em que as cores do poente se transformam, o eufemismo dela resiste.

Em segundos vestidos de silêncio, levanta a cabeça e encosta os lábios ao ouvido dele para lhe murmurar a mais simples das devoções. E no entanto, mexe os lábios como quem vai pronunciar mas a voz recolhe-se. Fracções de segundo aproximam-na da metáfora do mundo e o seu eufemismo quase conhece uma rendição.

Ele desvia-se do enredo e olha-a porque esperava palavras que sempre lhe dão a certeza que já raramente encontra sozinho. Do outro lado, as palavras por dizer revelam-se óbvias de quem precisa da segurança que já não lhe chega às mãos, aos ouvidos, a segurança que não lhe fazem chegar. Então, ela demove-se:

- No intervalo digo-te.

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